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Rescisão indireta: como proceder quando o empregador não cumpre obrigações contratuais

Na trajetória profissional, nem sempre os eventos se desdobram conforme o esperado. Experiências desafiadoras e, por vezes, prejudiciais à saúde física e mental no ambiente de trabalho podem conduzir um empregado a ponderar a recusa legal na execução de determinadas tarefas ou até mesmo considerar a rescisão do contrato de emprego. Nesse contexto, quando o empregador falha em cumprir obrigações significativas, a rescisão indireta emerge como uma alternativa. Mas afinal, o que constitui uma rescisão indireta e em quais circunstâncias ela se torna viável?



Justa Causa


A rescisão indireta guarda semelhanças com a demissão por justa causa, porém, ao invés de ser o empregado, é o empregador que comete a falta grave, inviabilizando a continuidade da relação de emprego. Trata-se de um método especial de encerramento do contrato de trabalho, frequentemente concretizado por meio de procedimentos judiciais. Uma vez reconhecida, o trabalhador tem direito a todas as verbas rescisórias que receberia em caso de dispensa imotivada.



O artigo 483 da CLT lista as faltas graves do empregador que podem justificar a rescisão indireta. Incluem-se entre elas o descumprimento de obrigações contratuais, atos prejudiciais à honra do empregado e exposição a perigo manifesto de mal considerável.


Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Parágrafo único - Rescindido o contrato por qualquer das partes, não se exime a outra de cumprir suas obrigações.

Diante de situações em que a conduta do empregador torna praticamente insuportável a continuidade da prestação de serviços, o trabalhador pode recorrer à Justiça do Trabalho para pleitear o reconhecimento do direito à rescisão indireta de seu contrato de trabalho.



Os diversos órgãos julgadores do Tribunal Superior do Trabalho, ao interpretarem o artigo 483 da CLT, têm reconhecido o direito à rescisão indireta em diversas circunstâncias. Os casos mais comuns envolvem:

Atrasos reiterados no pagamento de salários e falta de recolhimento do FGTS: quando o empregador atrasa salários de forma reiterada ou deixa de realizar os depósitos do FGTS regularmente.
Omissão do fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPI): quando o empregador não proporciona condições de trabalho seguras e saudáveis, colocando a saúde do empregado em risco pela ausência dos EPIs necessários.
Não pagamento do adicional de insalubridade ou periculosidade: quando o empregador não cumpre a obrigação de remunerar a parcela como contrapartida ao trabalho exercido com risco à saúde.
Ausência de pagamento de horas extras: quando o empregador não cumpre a obrigação de remunerar pelas horas extraordinárias efetivamente trabalhadas.
Assédio moral: quando o empregado é vítima de assédio moral e o empregador permite essa prática sem tomar medidas para coibi-la.
Agressão física e exposição a perigo manifesto de mal considerável: quando o empregador ou seus representantes ameaçam ou agridem fisicamente o empregado, ou o submetem a um risco real de sofrer dano relevante.
Redução de horas ou salário sem acordo: se o empregador reduzir o salário ou as horas de trabalho sem acordo, isso pode ser motivo para a rescisão indireta.

O reconhecimento judicial da rescisão indireta implica na obrigação do empregador de pagar as verbas rescisórias como se tivesse demitido o empregado sem justa causa. Isso abrange o saldo de salários, aviso-prévio proporcional, férias proporcionais com abono de um terço, 13º salário proporcional, liberação de saque do FGTS com multa de 40%, e emissão das guias do seguro-desemprego, entre outras possíveis parcelas previstas em regulamentos empresariais ou normas coletivas.



Quando o empregador não emite imediatamente as guias para o saque do FGTS e do seguro-desemprego, a própria decisão judicial que reconhece a rescisão indireta serve como documento válido para a liberação dessas verbas.


Por exemplo:

Suponha que Ana foi agredida por sua supervisora no trabalho e pleiteie a rescisão indireta. Vamos supor que ela receba um salário mínimo de R$ 1.100,00.


1. Saldo de Salários:

- Ana trabalhou até o dia do reconhecimento da rescisão indireta.

- Suponhamos que o mês corrente já tenha sido integralmente pago.

- Saldo de Salários = (Salário Mínimo / 30) * Dias trabalhados no mês corrente


2. Aviso-prévio Proporcional:

- Considerando que o aviso-prévio é de 30 dias.

- Aviso-prévio = (Salário Mínimo / 30) * 30



3. Férias Proporcionais com Abono de 1/3:

- Supondo que Ana tenha direito a 1 mês de férias.

- Férias Proporcionais = (Salário Mínimo / 30) * Dias proporcionais de férias

- Abono de 1/3 = Férias Proporcionais / 3


4. 13º Salário Proporcional:

- 13º Salário Proporcional = (Salário Mínimo / 12) * Meses trabalhados no ano


5. Liberação de Saque do FGTS com Multa de 40%:

- FGTS = Salário Mínimo * (8%)

- Multa de 40% sobre o FGTS

A soma desses valores dará o total das verbas rescisórias que Ana teria direito. Vamos agora realizar os cálculos:


1. Saldo de Salários:

- \( (1.100 / 30) * 15 = 550,00 \)


2. Aviso-prévio Proporcional:

- \( (1.100 / 30) * 30 = 1.100,00 \)


3. Férias Proporcionais com Abono de 1/3:

- \( (1.100 / 30) * 30 / 3 = 366,67 \)


4. 13º Salário Proporcional:

- \( (1.100 / 12) * 12 = 1.100,00 \)


5. Liberação de Saque do FGTS com Multa de 40%:

- \( 1.100 * 8% = 88,00 \)

- \( 88,00 * 40% = 35,20 \)



Total das Verbas Rescisórias:

- \( 550,00 + 1.100,00 + 366,67 + 1.100,00 + 35,20 = 3.151,87 \)


Portanto, Ana teria direito a aproximadamente R$ 3.151,87 em verbas rescisórias,


(Este é um exemplo simplificado e não leva em conta possíveis deduções ou acréscimos específicos que podem ocorrer em casos reais. Recomenda-se consultar um profissional jurídico para obter uma avaliação mais precisa da situação.)


Caso um empregado esteja enfrentando o descumprimento reiterado da lei, é crucial documentar as irregularidades e comunicar ao empregador para que sejam tomadas as providências necessárias. Se a situação persistir, o pedido de rescisão indireta pode ser formalizado por meio de uma reclamação trabalhista, a ser apresentada pelo próprio empregado junto à Vara do Trabalho mais próxima do local onde presta serviços.


Embora a orientação jurídica seja recomendada, qualquer pessoa pode reivindicar seus direitos perante a Justiça do Trabalho sem a necessidade de contratar um advogado, conforme estabelecido pelo artigo 791 da CLT.


É essencial que o empregado esteja ciente de que, no caso de indeferimento de seu pedido de rescisão indireta na Justiça do Trabalho, o contrato de emprego será considerado terminado por sua própria iniciativa, assemelhando-se a um pedido de demissão. Nesse cenário, ele não terá direito a sacar o FGTS, receber a multa correspondente a 40% de seu saldo, nem receber as guias do seguro-desemprego. Além disso, estará sujeito ao pagamento de honorários de sucumbência, calculados sobre o valor atualizado da causa, seguindo as regras específicas aplicáveis aos beneficiários da justiça gratuita.



Abandono de Emprego


Em situações em que o empregado deixa de comparecer ao trabalho para, posteriormente, ingressar com uma reclamação trabalhista buscando a rescisão indireta, mas não obtém sucesso, a jurisprudência do TST tem entendido que esse comportamento, por si só, não caracteriza abandono de emprego sujeito a justa causa. A razão reside no fato de que a ausência do empregado para buscar a rescisão indireta do contrato de trabalho constitui o exercício legítimo de um direito previsto em lei. Isso significa que o afastamento não indica a intenção de simplesmente abandonar o emprego, mas sim de buscar, de acordo com as normas legais, o término do vínculo devido a circunstâncias que tornam sua continuidade insustentável. Essa distinção é crucial para garantir que o empregado não seja injustamente penalizado por buscar seus direitos nos termos da legislação trabalhista.


Aviso-Prévio


Embora, em regra, um empregado que decide deixar o emprego por vontade própria deva cumprir aviso-prévio, no TST prevalece a interpretação de que o ajuizamento de uma reclamação trabalhista com pedido de rescisão indireta supre essa necessidade. Nesse contexto, mesmo que o pedido seja indeferido, o empregado não terá que compensar o aviso-prévio com as possíveis verbas rescisórias de responsabilidade do empregador.

Proteção de Direitos



A rescisão indireta, quando fundamentada de maneira adequada e respaldada por evidências, representa um instrumento valioso de proteção dos direitos do empregado diante de condições adversas de trabalho e reiteradas violações contratuais pelo empregador. Trata-se de um mecanismo legal a ser utilizado de forma excepcional, quando a manutenção do emprego torna-se insustentável. Portanto, é crucial que seja empregado com a lealdade que deve sempre nortear a relação entre empregador e empregado.

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