Olhai os Lírios do Campo é uma metáfora sobre a personalidade da personagem principal, significa que às vezes estamos tão centrados em nós mesmos e no egoísmo de prazeres mundanos ligados a busca por aprovação dos outros, que nos esquecemos de olhar para fora, de olhar a beleza dos lírios do campo.
Este foi o primeiro livro de grande sucesso do autor Érico Veríssimo, o qual permitiu que ele se dedicasse mais ao trabalho de escritor. Embora para o próprio autor, o livro não seja a sua melhor obra, sem dúvida causou grande alvoroço na época em que foi escrito e ainda inspira os leitores contemporâneos como eu.
Trata-se de uma obra que retrata um momento histórico em que o autor vivia, e as questões que permeavam o ano de 1930. É possível perceber as questões psicológicas e ideológicas que envolvem os personagens do livro. Isso fica claro à medida que embreamos na estória de vida deles.
Muito mais que isso, o livro trás discussões polêmicas que permeavam a década de trinta, tais como conversas intelectualizadas de reuniões de personagens da alta sociedade da época, sobre antissemitismo, a Segunda Guerra Mundial, aborto, e relacionamentos entre classes sociais diferentes, racismo, a figura, presente em vários livros da época, mas que não deixa de ter sua magia neste livro, da mulher independente e que foge aos padrões morais e cultura da época.
São personagens com certa humanidade latente, lidando com os seus próprios “demônios”. O autor faz questão de contar os caminhos que cada personagem da trama percorreu para justificar o seu momento presente dentro do enredo.
À medida que Eugênio vai narrando sua história é possível perceber as inseguranças do personagem, medo da rejeição e o egoísmo que o permeia. É uma leitura agradável que causa certo desconforto, à medida que vamos nos identificando com os dilemas de um ou outro personagem.
A construção do romance percebe-se um toque de traços do Romantismo literário, quase que um Romeu e Julieta, um amor impossível, à medida que o livro se inicia com Olívia sendo internada em estado grave de saúde e Eugênio angustiado e remoendo sua culpa. Passando a recordar de seus traumas e a relação que mantinha com sua eterna amada. A qual ele se culpa por ter abandonado em troca de posição social, reconhecimento e riqueza.
Olívia é uma personagem quase que inumana. Seus traços e a forma como se relaciona com o lado egocêntrico de Eugênio, lembra um anjo que guia seu protegido para que encontre seu caminho. É interessante que o amor dela por Eugênio seja tão puro e devoto, ao ponto que o amor de Eugênio beira a conveniência e a nostalgia de como Olívia o fazia se sentir. É visível que há mais um culpa presente em Eugênio do que um amor genuíno por Olívia, é quase que uma insegurança que é preenchida pela lembrança a autoflagelação da culpa por tê-la deixado ir.
Eugênio narra suas memórias em ordem cronológica intercalando com o presente enquanto se encaminha para o hospital na esperança de ver Olívia. É possível identificar que desde criança o personagem apresenta conflitos internos e incertezas; não aceitava a pobreza em que vivia, culpava sua família, principalmente seu pai, pelas humilhações que acreditava passar.
Ele era filho de lavadeira e seu pai um pobre alfaiate, ambos trabalhavam duro para que Eugênio e seu irmão mais novo, Ernesto, pudessem frequentar a escola e ter um futuro melhor do que de seus pais; Eugênio compensava toda sua frustração e falta de habilidades sociais, com os estudos, não porque gostasse de estudar, mas porque se sentia superior ao ser reconhecido como uma promessa; com isso, carregava o peso auto imposto de ser bem sucedido, pois muitos apostavam que seria; Eugênio apresenta-se sempre com uma ambivalência em seus dilemas, entre o altruísmo e o egoísmo, compaixão e a soberba, inveja e a generosidade, etc. Sempre observando seus colegas mais ricos, imaginando um dia poder ter um nome reconhecido, roupas boas e uma vida luxuosa.
Eugênio despreza a forma servil de seu pai, perante os outros, e principalmente perante sua mãe, a qual se apresenta com uma personalidade forte e soberba, é possível que parte dos devaneios de Eugênio, venha desse relacionamento entre sua mãe e seu pai, o sentimento dela e o rancor de ter se casado com um marido submisso e servil, que trabalha muito, mas que não tem ambições.
Eugênio cresce e começa a fazer medicina. É um ponto de tranquilidade em sua vida, bem deveria ser, contudo, o personagem é dominado por um complexo de inferioridade que o faz se sentir inferior aos colegas ricos, possuindo vergonha de seu pai, e pensando não ser digno de estar em meio a pessoas mais abastadas, por não ter nada a oferecer.
Eugênio tem dificuldades para se relacionar, parte em decorrência de sua timidez, outra pelo sentimento de inferioridade. Até que conhecemos Olívia, na noite da colação de grau, os quais eram colegas de faculdade.
Olívia demonstra ser uma personagem bastante sábia, com uma visão quase que estoica da vida. Neste ponto, podemos observar diálogos profundos entre as personagens quanto a sentimentos, crenças, valores e cultura.
Na segunda parte do livro é possível ver que as correspondências de Olívia apresentam monólogos sábios mergulhando em questões profundas sobre os ânsias, escolhas e perspectivas de Eugênio. O que provoca nele um grande sentimento de culpa e desejo de redenção.
O que posso dizer sem contar muito, é que Eugênio acaba alcançando seu intento de ser rico e bem sucedido mergulhando em um casamento com a jovem e encantadora Eunice, filha do rico industrial Cintra, um homem implacável na direção de seus negócios, contudo, dominado por Eunice, incapaz de impedir seus devaneios.
Um casamento que para Eugênio, embora não se pode ter certeza, pois é narrado do ponto de vista dele, foi aceito por Eunice para afrontar seu pai e como forma de uma excentricidade e capricho pessoal dela, diante de sua imbecilidade. Contudo, é possível extrair que talvez esse fracasso no casamento tenha muito a ver com os devaneios e complexos de inferioridade do próprio Eugênio.
Pulei algumas partes e personagens centrais para evitar te contar coisas demasiadas sobre o livro justamente para que possa lê-lo do seu ponto de vista, pois cada um que questionei sobre este livro, é incrível o quão divergente é a interpretação sobre ele e como é rica a percepção de cada um sobre a trama e as personagens.
O livro é dotado de inúmeros personagens interessantes, assim como o Dr. Seixas (médico que se dedica a medicina para os mais pobres), Felipe Lobo (o grande arquiteto com mania de grandeza e opiniões políticas da extrema direita), o qual é casado com Isabel (amante de Eugênio e amiga de Eunice); Florismal, o aposentado e conselheiro; Ernesto o irmão bastardo de Eugênio, o qual em sua simplicidade causa inveja e repulsa de Eugênio, entre outros.
Em fim, é um livro que indico para uma leitura rápida, pois vai te fazer refletir sobre questões pessoais, à medida que você entra no universo de Eugênio e todo o niilismo presente na enfadonha vida deste personagem dotado de grandes crises morais e culpa de consciência por ter usado Eunice para sua ambição, pela vergonha que sentia de sua família, pelas traições: com Olívia, Eunice, seu amigo Felipe e por ter usado Isabel. Vemos nele um forte desejo de redenção, o que é possível vislumbra nos capítulos finais - até onde ele está disposto a ir para aliviar sua culpa e o amadurecimento do personagem.
Deixe nos comentários sua interpretação e impressões sobre o livro e sobre os dilemas enfrentados por Eugênio.
