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Medo Líquido: ELES querem que você sinta MEDO! por Zygmunt Bauman

Atualizado: 17 de nov. de 2023



Para Bauman,


“Medo” seria definido como o nome que damos às nossas incertezas, ou seja, a nossa ignorância frente a ameaça e ao desconhecido sobre o que deve ser feito. Desta forma, os seres humanos compartilham essa experiência com os animais, ou seja, também oscilamos nossa mente entre as alternativas da fuga e da agressão.


Para o sociólogo, os humanos, conhecem algo mais, algo além disso: uma espécie de medo de “segundo grau”, um medo, por assim dizer, social e culturalmente “reciclado” - o que ele chamou de medo secundário ou derivado.


Este medo derivado pode ser visto como um rastro de uma experiência passada de enfrentamento da ameaça direta, um resquício do medo alojado em nossa alma.





Nós reproduzimos essa conduta reativa do medo mesmo que não haja mais uma ameaça direta à vida ou à integridade.


O “medo derivado” é um sentimento de ser suscetível ao perigo; uma sensação de insegurança e vulnerabilidade, um pensamento futuro de que se vier a concretizar, haverá pouca ou nenhuma chance de fugir ou de se defender com sucesso;


O interessante é que este medo ocorre mesmo na ausência de ameaça genuína, levando o ser humano a atitudes e reações adequadas como se estivesse de encontro imediato com o perigo idealizado.


Quanto mais nos afastamos dos perigos, quanto mais confortável a vida humana, menor se torna a nossa capacidade de lidar com a presença de uma ameaça, assim estamos mais suscetíveis a deixar correr solta a imaginação.


Os perigos podem ser de três tipos: ameaçam o corpo, a ordem social e as propriedades.


Em uma natureza mais geral, o medo derivado geralmente tem um sentido de sentimento de ameaça em relação a durabilidade da ordem social e a confiabilidade nela. Em termos gerais, o homem teme uma inversão de valores sociais.


As reações defensivas ou agressivas resultantes, destinadas a mitigar o medo, podem assim ser dirigidas para longe dos perigos realmente responsáveis pela suspeita de insegurança. Daí observamos o preconceito e as perseguições étnicas, o qual o autor discorre sobre o desvio do problema central em torno de um inimigo com rosto, alguém eleito pelo imaginário coletivo ou pelo interesse político econômico para ser o inimigo.


Por exemplo, Bauman elenca que após os atentados as torres gêmeas, o medo derivado foi desviado para todo o povo mulçumano, indiscriminadamente, os discursos políticos sugeriram indiretamente isso, era preciso se proteger dos terroristas, e como eles não tinham rostos, a resposta do medo era tratar a todos os mulçumanos como potenciais terroristas. O efeito contrário é que a política internacional imperialista e desastrosa do governo norte-americano, não foi nem de longe apontada como responsável pelo crescimento do ódio em relação ao governo dos Estados Unidos por grupos extremistas.


Bauman vai dizer que o que mais amedronta é a ubiqüidade dos medos (no sentido da falta de uma forma concreta); Pois para autor, o medo pode vazar de qualquer canto ou fresta de nossos lares e de nosso planeta. Assim como em ruas escuras ou das telas luminosas dos televisores, os quais a todo momento nos traz uma sensação de urgência e de insegurança.


Todos os dias, aprendemos que o inventário de perigos está longe de terminar: novos perigos são descobertos e anunciados quase diariamente, e não há como saber quantos mais, e de que tipo, conseguiram escapar à nossa atenção (e à dos peritos!) – preparando-se para atacar sem aviso.


Por toda parte, houve um aumento das advertências globais. A cada dia surgiam novas advertências globais sobre vírus assassinos, economia em colapso, baixa na produção de alimentos e aumento da violência.


De início, essas advertências globais eram assustadoras, mas depois de um tempo as pessoas passaram a se divertir com elas. De fato, saber que este é um mundo assustador não significa viver com medo, pois temos um volume mais do que suficiente de estratagemas sagazes, os quais amavelmente oferecidas nas lojas do mundo líquido-moderno.


Para entender o conceito de modernidade líquida resumiríamos como um sentimento de urgência para os prazeres, como se a vida fosse a crédito. As relações e valores são fluidos, adaptáveis e facilmente tomam qualquer direção, ou seja, há uma urgência do pensamento de que amanhã não pode ser, não deve ser, não será como hoje – significa um ensaio diário de desaparecimento, sumiço, extinção e morte. é preciso estar sempre no agora, atualizado, conectado e vivendo a qualquer preço.


A vida líquida flui ou se arrasta de um desafio para outro e de um episódio para outro, e o hábito comum dos desafios e episódios é sua tendência a terem vida curta.


Pode-se presumir o mesmo em relação à expectativa de vida dos medos que atualmente afligem as nossas esperanças. Muitos medos entram em nossa vida juntamente com os remédios sobre os quais muitas vezes você ouviu falar antes de ser atemorizado pelos males que esses prometem remediar.


Bauman refresca a nossa memória sobre o “Bug do Milênio”, obviamente se nasceu na década de 80 a 90 deve lembrar, se não for o seu caso, então senta que lá vem história, tomando a liberdade de parafrasear Castelo Rá Tim Bum.


O perigo do bug do milênio foi um medo coletivo que teve início no final do ano de 1999, início de 2000, de que os computadores da época não entendessem a mudança de milênio e isso causasse uma pane geral em sistemas e serviços. Em termos simples, por questões de espaço na memória haviam reduzido, simplificado, as datas em dia, mês e no ano, havia dois dígitos finais, ocorre que ao chegar em 99 e entrar em 2000, as datas reiniciaria para “00” e isso faria com que os sistemas automatizados não reconhece a virado do século. A solução foi mudar a referência do ano 2000 temporariamente para “20”, gerando um novo problema no ano de 2020. A título de exemplo, em 2020, os parquímetros de Nova York pararam de funcionar.


Mas o bug do milênio, não foi a única notícia aterrorizante que lhe foi trazida pelas mesmíssimas empresas que já tinham oferecido imunizar e salvar o iniciante mundo dos computadores e da internet, você está sempre por aí ouvindo falar de vírus, worms, esquemas de phishing e inúmeros males que assolam a internet e movimenta milhões com softwares de combate. Já se perguntou sobre como foi recebida a notícia do primeiro vírus encontrado em um computador lá em 1971, chamado de Creeper, o qual exibia a mensagem "Eu sou assustador, pegue-me se for capaz"?


Bauman exemplifica também como de Catherine Bennett, expôs um complô por trás do pacote que promovia uma cara terapia advertindo que as “comidas erradas são responsáveis pelo envelhecimento rápido e prematuro; programa de quatro semanas” – ao custo módico de 119 libras esterlinas. O medo das pessoas de envelhecer e da morte, atrai milhares de interessados em saber qual era este segredo, antes que fosse tarde demais.


A economia de consumo depende da produção de consumidores Neste sistema, os consumidores em suas necessidades básicas são finitos, logo é preciso criar novos consumidores, e a melhor forma de fazer isso é criar necessidades, ou seja, produtos e serviços destinados a enfrentar o medo. Assim, é lucrativo usar os sentimentos temerosos e amedrontados, esperançosos de que os perigos que temem sejam forçados a recuar graças aos produtos ofertados.


No ambiente líquido-moderno, contudo, a luta contra os medos se tornou tarefa para a vida inteira, enquanto os perigos que os deflagram – ainda que nenhum deles indissociáveis da vida humana. A vida inteira é agora uma longa luta, e provavelmente impossível de vencer, contra o impacto potencialmente incapacitante dos medos e contra os perigos, genuínos ou supostos, que nos tornam temerosos.


A inventividade humana não conhece fronteiras. Há uma plenitude de estratagemas. Burlar o tempo e derrotá-lo no seu próprio campo. O Mundo líquido moderno, grita pelos quatro cantos: faz-se necessário atrasar a frustração, mas não a satisfação imediata. Portanto, por que se preocupar agora?! Carpe diem. Em termos simples: aproveite agora, pague depois. Uma cortesia das companhias de cartão de crédito, afirmou Bauman: não deixe para depois o que você pode fazer agora - esse é o lema da sociedade de agora.


Vivemos a crédito: hoje em dia, os “bons orçamentos” são os que mantêm o excesso de despesas em relação a receitas no nível do ano anterior.


Por que esperar se você pode saborear as alegrias futuras aqui e agora? O cartão de crédito, mágicamente, traz esse futuro irritantemente evasivo direto para você. Repare que você pode consumir o futuro, por assim dizer, por antecipação criativas da civilização.


Outro ponto explicado por Bauman é que esse mundo, como os reality shows têm mostrado vividamente e provado de forma convincente, se refere a “quem manda quem para a lata de lixo”; ou melhor, quem o fará primeiro, enquanto ainda há tempo de fazer com os outros o que eles muito desejariam, se tivessem a chance de fazer com você” – e antes que eles consigam agir de acordo com seus desejos, estes reality show te dão essa satisfação pessoal de se sentir parte de uma coisa maior, alguém importante em decidir sobre quem se comportou melhor segundo seu julgamento e portanto merecedor do prêmio da rodada.


As pessoas não são eliminadas por serem más, mas porque faz parte das regras do jogo que alguém deve ser eliminado e porque outras pessoas se mostraram mais habilidosas na arte de se destacar, de manipular as outras como elas.


Não é que as pessoas sejam expelidas por terem sido identificadas como indignas de permanecerem. É exatamente o contrário: as pessoas são declaradas indignas de permanecerem porque há uma cota de eliminações que deve ser cumprida.


Primeiro fator destes programas é que a punição é a norma, e a recompensa, uma exceção:


O principal meio de atingir esse efeito é a “fama”, a qual é uma abreviatura rasa da expressão de “ser mantido na memória da posteridade”. De modo paradoxal para um caminho em direção à imortalidade individual, pertencer a uma categoria é o que garante acesso. A fama, e a luta por esse acesso (incluindo aquela para fazer com que uma categoria se qualifique para conceder tal imortalidade a seus membros) tem sido através da história um assunto coletivo.


Para Bauman além da fama há também a imortalidade personalizada, a qual o Estado recrutaria os homens para defender seus interesses e estes homens morreriam como heróis de guerra. Este conceito começa a se dissolver e a desaparecer. Essa estratagema alternativa, que ganhou força gradual e contínua através da Era Moderna, parece estar atingindo a posição mais importante em nossa sociedade líquido-moderna de consumidores, ou seja, a modernidade líquida está marginalizando as preocupações com a imortalidade na história, mediante a desvalorização de tudo que seja durável, permanente, de longo prazo.


Ele transplanta para o momento presente a importância que se atribuía ao “depois”; do durável ao transitório. Ele desacopla o horror da morte de sua causa original, tornando-o disponível a outros usos, alardeando efeitos mais tangíveis e (acima de tudo) imediatos das preocupações com a vida após a morte.


A morte é agora uma presença permanente, invisível, mas vigilante e estritamente vigiada, em cada realização humana, profundamente sentida 24 horas por dia, sete dias por semana. A memória da morte é parte integrante de qualquer função da vida. A ela se atribui grande autoridade, talvez a maior, quando quer que se precise fazer uma escolha numa existência cheia de escolhas.


O relacionamento também porta o selo do fim (mesmo que, diferentemente da morte verdadeira, esse selo possa ser removido; teoricamente, uma relação pode ser reatada e, portanto, ressurgir dos mortos.


À medida que os vínculos da era líquido-moderna se tornam claramente tênues e “até segunda ordem”, a vida vira um ensaio diário da morte e da “vida após a morte”, da ressurreição e da reencarnação – todas encenadas por procuração, mas, da mesma forma que os reality shows, nem por isso menos “reais”. A morte então, despida, assim, de seu mistério, familiarizada e domesticada, a fera selvagem se transforma num animalzinho de estimação.


A morte-por-procuração torna-se um elo constante e indispensável a sustentar a interminável seqüência de “novos começos” e esforços para “renascer”, traços característicos da vida líquido-moderna, e um estágio necessário em cada uma das séries infinitamente longas dos ciclos de “morte-renascimento-morte”. No drama permanente da vida líquido-moderna, a morte é um dos principais personagens do elenco, reaparecendo a cada ato.


Bauman basicamente diz que assim como nossos relacionamentos amorosos que já começam com a previsão de acabar, é a morte por procuração, ou seja, estamos tão dinâmicos em nossas relações, tão contra valores e princípios morais, tão líquidos em nossa forma de ser e pensar, que a maioria das pessoas quando conhece alguém, não consegue imaginar aquele parceiro para o resto da vida, há uma sensação, uma chama, que diz que há infinitas possibilidades lá fora, que eventualmente você será promovido, será destinado para outro país, para outra cidade, conhecerá pessoas interessantes… esse comichão dentro dos indivíduos dessa sociedade líquida, não permite que nada dure, tudo é raso e efêmero, nasce, morre e renasce, morre novamente, como que uma atualização constante e esperada de um smartphone da moda.


A morte de “segundo grau” é similarmente fragmentada e descontínua, e não importa quão dolorosa possa ser a experiência da perda de um mundo singular, não era esperado nem desejado que conduzisse a uma dinâmica diferente. Não vai atrasar o fluxo dos episódios, muito menos interrompê-lo, pará-lo de vez. Numa vida líquido-moderna, não há pontos sem retorno, e qualquer perspectiva de que houvesse seria evitada e rechaçada ativamente (muitas vezes com sucesso). Pois a modernidade líquida está ligada aos prazeres presente, no agora, por isso é inconcebível a ideia de fim, as pessoas querem viver no agora e cada erro que comete no presente, serve de justificativa para uma recomeço, nós não lidamos com a frustração, preferimos um retorno, e assim o ciclo vicioso de retorno e renascimento pregado por todos os influencer que seguimos. Ficamos famintos por autoajuda, por alta performance e por uma vida que não é a nossa.


Está aqui aquele amigo que termina o relacionamento e faz questão de dizer para o mundo que está dignamente bem, que não sente nada em relação ao término. A cultura da felicidade extrema, tudo é uma oportunidade de recomeçar a vida, recomeçar a se valorizar, recomeçar os planos que deixou de lado, seguir em frente. Já parou para pensar o quanto tem dito a si mesmo que é um “novo recomeço”?


Jean Starobinski, tendo citado a observação de La Rochefoucauld de que “as pessoas nunca se apaixonariam se não tivessem ouvido falar de amor”, e tendo examinado atentamente a história das moléstias humanas, descobriu que “há doenças (particularmente doenças neurais e ‘morais’, neuroses e psicoses) que se espalham porque se fala sobre elas”, em que “a palavra desempenha o papel de agente contaminador”, e concluiu que “a verbalização entra na composição da própria estrutura da experiência vivida”. Ele leva a reflexão sobre nossas escolhas e comportamentos, como as crenças transmitidas nos discursos levam as pessoas a adotarem verdades absolutas. Vemos isso nos relacionamentos modernos, a monogamia por exemplo digladiando com o poliamor, ambas defendidos por forças oposta de discursos, a primeira um discurso moral, legal e cultural, a segunda uma bandeira da atriz do momento, do cantor das massas, posta como uma luta de igualdade de gênero, às vezes, qualquer um com um microfone nas mãos e uma câmera se torna perito em todo tipo de assunto.


Zygmunt Bauman exemplifica que a ascensão da direita religiosa está relacionada à primeira onda de impacto da globalização na sociedade norte-americana. Pessoas que perderam seus empregos bem remunerados; e agora suas mulheres estão trabalhando e às vezes ganhando mais dinheiro do que eles.


Suas vidas estão desmoronando diante de seus olhos, e não por causa de gays e feministas. É por causa da globalização. Mas os republicanos, com sua poderosa máquina de propaganda, são capazes de transformar essa alienação.


É por isso que a manipulação pode gerar enormes lucros com poucos riscos – ou nenhum: ela conta com uma clientela agradecida entre os milhões que tentam desesperadamente evitar que seus olhos contemplem a face da Medusa, afirmou Bauman.


O fenômeno a ser manipulado e transformado em gerador de lucro é o medo da morte – um “insumo natural” que pode potencializar recursos infinitos e a prática da renovação total. O medo primal da morte talvez seja o protótipo ou arquétipo de todos os medos – o medo definitivo de que todos os outros extraem seu significado.


Os teólogos eruditos citavam de ponta a ponta o Livro de Jó para defender a inquebrantabilidade dos vínculos entre pecado e punição, e virtude e recompensa, contra as provas regularmente fornecidas de dores infligidas em uma criatura piedosa, temente a Deus, verdadeiro exemplo de virtude. Como se o retumbante fracasso dos teólogos em apresentar argumentos convincentes (muito menos provas conclusivas) de que a credibilidade das explicações rotineiras sobre o mal tivesse saído ilesa do áspero teste do piedoso infortúnio de Jó não fosse suficiente para frustrar quaisquer perspectivas de compreensão, a densa neblina em que a alocação da boa e da má sorte fora hermeticamente oculta não se dissipou quando o próprio Deus se juntou ao debate…


Neiman aponta que “desde Lisboa, os males naturais não têm nenhuma relação aparente com os males morais, já que não possuem mais significado algum” “os moradores daquela grande cidade tivessem se distribuído de modo mais equilibrado, e construído casas mais leves, os danos teriam sido muito menores, talvez até não ocorressem… E quantos infelizes perderam suas vidas na catástrofe porque quiseram recolher seus pertences?


Rousseau insistiu que, se não o desastre de Lisboa em si, mas certamente suas consequências catastróficas e sua escala horripilante resultaram de falhas humanas, não da natureza.


Hannah Arendt explica o choque e a confusão que a maioria de nós sentiu ao ouvir falar de Auschwitz pela primeira vez, e o gesto de desespero com que reagimos à notícia, pela excruciante dificuldade em absorver sua verdade e acomodá-la no quadro do mundo com que pensamos e pelo qual vivemos – um quadro baseado no “pressuposto corrente em todos os sistemas jurídicos modernos de que a intenção de agir errado é necessária para que se cometa um crime”.


As emoções, assim como suas bases biológicas, têm um curso de tempo natural; a luxúria, e mesmo a luxúria sangrenta, acaba sendo satisfeita. Além disso, as emoções são notoriamente instáveis, podem ser transformadas. Uma turba de linchadores é inconstante e às vezes pode se deixar mover pela solidariedade – digamos, o sofrimento de uma criança. Para erradicar uma “raça”, é essencial matar as crianças… O assassinato meticuloso, abrangente, exaustivo exigiu a substituição da turba pela burocracia, do ódio compartilhado pela obediência à autoridade. A burocracia exigida seria eficaz quer fosse administrada por anti-semitas e extremistas ou por moderados, ampliando consideravelmente o manancial de recrutas potenciais…


Agora sabemos que “sociedades como um todo” podem sucumbir, “de uma forma ou de outra”, aos Hitler, e também sabemos que só tomaremos conhecimento de que sucumbiram se vivermos o bastante para descobrir; se, em outras palavras, sobrevivermos à sua capitulação. Não notaremos “a dilatação e ampliação da corrente” tal como não notamos a dilatação das ondas do tsunami – porque fomos treinados com sucesso a fechar os olhos e tapar os ouvidos. Ou talvez nos tenham ensinado que “coisas como essa” não acontecem em nossa sociedade moderna, a razão, apontou Kant, que nos manda “agir somente segundo a máxima de que você possa querer ao mesmo tempo que esta se torne lei universal”.


Seria melhor para todos nós – mais agradável e confortável, porém não, infelizmente, mais seguro – acreditar que o mal é apenas o demônio sob o disfarce de um nome menor, encurtado em uma única letra (tal como o criminoso da lista de procurados que, para escapar à captura, raspa a barba ou o bigode).


Bauman continua dizendo que a confiança está em dificuldades no momento em que tomamos conhecimento de que o mal pode estar oculto em qualquer lugar; que ele não se destaca na multidão, não porta marcas distintivas nem carteira de identidade; e que todos podem estar atualmente a seu serviço, ser seus reservistas em licença temporária.


Decerto, há um número incontável de pessoas suficientemente imunes e avessas ao mal para suportar suas lisonjas ou ameaças – e com olhos suficientemente abertos para reconhecê-las como obras do mal. A questão, porém, é que não se sabe quem elas são nem como distingui-las das cidades que, histórica e conceitualmente, costumavam ser a metonímia da proteção e da segurança se transformaram em fontes de ameaça e violência”. Os vários espécimes de “arquitetura de bunker”, como opção preferencial de residência para os que podem se dar a esse luxo, são monumentos às ameaças duvidosas e às corporificações do medo que as cidades provocam. A “moderna arquitetura de bunker”:


O fato de nos tempos líquido-modernos precisarmos e desejarmos, mais que em qualquer outra época, vínculos sólidos e fidedignos apenas contribui para exacerbar a ansiedade. Embora incapazes de dar uma trégua às nossas suspeitas, parar de farejar traições e temer a frustração, buscamos – compulsiva e apaixonadamente – “redes” mais amplas de amigos e amizades. Na verdade, a rede mais ampla que pudermos comprimir no painel do telefone celular, o qual, obsequiosamente, aumenta em capacidade a cada nova geração desses aparelhos. E quando tentamos cercar nossas apostas contra a traição e dessa forma reduzir os riscos, incorremos em mais riscos


Preferimos investir nossas esperanças em “redes” em vez de parcerias, esperando que em uma rede sempre haja celulares disponíveis para enviar e receber mensagens de lealdade. Esperamos compensar a falta de qualidade com a quantidade (a probabilidade de ganhar na loteria é minúscula, mas quem sabe um conjunto de probabilidades miseráveis possa constituir uma chance mais decente?).


Os habitantes do mundo líquido-moderno, acostumados a praticar a arte da vida líquido-moderna, tendem a considerar a fuga do problema como uma aposta melhor do que enfrentá-lo. Ao primeiro sinal do mal, procuram uma passagem dotada de uma porta confiavelmente pesada para trancar depois que a atravessaram. A linha divisória entre os amigos para toda a vida e os inimigos eternos, antes tão claramente dispostas.


A teoria da MAD é uma doutrina de estratégia militar onde o uso maciço de armas nucleares por um dos lados iria efetivamente resultar na destruição de ambos - atacante e defensor.


Os modernos desenvolvimentos nesses seletos enclaves do planeta que reuniram poder bastante para buscar e encontrar maneiras de satisfazer suas ambições localmente gestadas num espaço global, e de mobilizar recursos globais para sustentar seus desfrutes locais, foram guiados por uma lógica que – em flagrante violação das intenções proclamadas pelos modernizadores – tornou a difusão dessas ambições no âmbito da espécie uma perspectiva verdadeiramente catastrófica, e estilo de vida saudável por uma cadeia de intervenções médico-farmacêuticas que se amplia de maneira constante é a principal força motora da medicina moderna.


Estamos nos tornando a sociedade das intervenções, todos desejamos uma vida saudável, mas não estamos dispostos a seguir o caminho mais difícil de atividades físicas, lazeres, boa alimentação e horas de introspecção longe de dopamina gerada por mídias digitais… não! Não queremos pagar este preço, preferimos aquele remédio que potencializa a memória, aquelas vitaminas que eliminam frutas e verduras da dieta, aquele remédio para dormir, para acordar, para se sentir menos cansado, para emagrecer.


Além da civilização deve seu potencial mórbido (ou mesmo suicida) às mesmíssimas qualidades de que extrai sua grandeza e seu glamour: a aversão inata à autolimitação, a transgressividade inerente e o ressentimento e desrespeito em relação a todas as fronteiras e limites – especialmente à idéia de limites finais ou derradeiros.


Consistia, em primeiro lugar, na tendência à adiaforia: a tendência a minimizar a relevância dos critérios morais, ou, quando possível, eliminá-los totalmente de uma avaliação da desejabilidade (ou, na verdade, permissividade) das ações humanas, levando em última instância a uma situação em que os agentes humanos não conseguem reprimir os seus impulsos imorais.


Consistia, em segundo lugar, em agentes humanos individuais sendo expropriados da responsabilidade moral pelas consequências de seus feitos.


Ela sugere que “os revolucionários conectados” poderiam agora “imaginar que estavam mudando o mundo ao mesmo tempo confortados pelo fato de que nada mudaria realmente (ou, na melhor das hipóteses, poderiam conseguir que as gravadoras baixassem os preços dos CDs)”.


O fetiche tecnológico “é político” para nós, possibilitando-nos prosseguir o resto de nossas vidas aliviados da culpa de talvez não estarmos fazendo nossa parte e seguros na crença de que somos, afinal, cidadãos informados e engajados. O paradoxo do fetiche tecnológico é que a tecnologia que age em nosso lugar realmente nos habilita a permanecer politicamente passivos. Não temos de assumir a responsabilidade política porque haverá sempre uma opinião formada, difundida e mastigado pelas mídias tecnológicas de comunicação e grupos ideológicos ou intelectuais da moda.


Os três grandes pensadores transmitiram uma mensagem semelhante: padecemos de uma defasagem moral.


Bauman prossegue em seu livro dizendo que a globalização dos danos e prejuízos resulta na globalização do ressentimento e da vingança.


A ideia de um “mercado sem fronteiras” é uma receita para a injustiça e, em última instância, para uma nova desordem mundial na qual (contrariando Clausewitz) é a política que se torna a continuação da guerra por outros meios. A desordem global e a violência armada alimentam-se, reforçam-se e se animam mutuamente.


A globalização negativa cumpriu sua tarefa, e todas as sociedades são agora plena e verdadeiramente abertas, em termos materiais e intelectuais, de modo que qualquer dano provocado pela privação e a indolência, onde quer que aconteça, é acompanhado do insulto da injustiça: o sentimento de que o mal foi feito, um mal que exige ser reparado, mas antes de tudo vingado.


Contar com as ferramentas disponibilizadas pelas pressões globalizantes todo-poderosas é parte integrante da estratégia terrorista. Nas palavras de Mark Danner, a arma mais poderosa dos 19 terroristas que usaram suas facas e canivetes para destruir as Torres Gêmeas de Manhattan foi “a criação tecnológica mais norte-americana: a internet".


Dada a natureza das modernas armas à disposição dos militares, as respostas a esses terroristas tendem a parecer canhestras, pesadas e imprecisas, lançando-se sobre uma área muito maior do que a afetada pelo atentado terrorista e causando um número cada vez maior de “baixas colaterais”, e portanto também mais terror, ruptura e desestabilização do que os terroristas possivelmente produziriam por conta própria – assim como buscando acabar com a pobreza, gastam entre si dez vezes mais do que o necessário.


Bauman ao falar sobre os fundamentalistas afirma: Eles são – como qualquer um pode confirmar – pecadores hereditários (e isso significa inatos, geneticamente determinados, irredimíveis), idólatras, infiéis, instrumentos de Satã, forças sombrias colocando-se entre a corrupção do presente e o mundo de sonhos confortável, aconchegante e seguro purificado de sua presença venenosa e cancerígena. Tudo isso provavelmente teria sua inscrição rejeitada no serviço de patentes – caso os atuais pregadores fundamentalistas estivessem exigindo seus “direitos de propriedade intelectual”. O que eles oferecem aos potenciais convertidos é apenas uma versão aberta e gritantemente dessecularizadas das tentações totalitárias que acompanharam toda a história moderna, sendo testadas com zelo particular e efeitos mais espetaculares pelos movimentos


Margarete Buber-Neumann, notável testemunha das duas variedades de horror totalitário do século XX. Ela foi atraída para as fileiras comunistas no início da década de 1920, juntamente com muitos milhares de jovens bem instruídos, homens e mulheres, perplexos e estarrecidos com as futilidades e a desumanidade de uma sociedade dividida e desarticulada pela carnificina da Grande Guerra, e, tal como ela, procurando em vão por uma vida significativa em um mundo aparentemente destituído de significado. No momento em que tomou a decisão de se juntar às fileiras, Margarete ganhou uma comunidade de pessoas com idéias semelhantes, milhares de “irmãos” e “irmãs” compartilhando pensamentos, fé e esperanças.


Assim como ela, afirma Bauman, os solitários modernos, tornara-se parcela de uma totalidade poderosa – quando pessoas se juntam às fileiras, adquirem afinal a certeza de que imploraram e obtiveram uma resposta para qualquer pergunta. E se realmente ouvem e se submetem à sedução, não o fazem por serem muçulmanos. Ser muçulmano explica apenas por que preferem a voz dos mulás ou aiatolás àquelas das sereias de outras denominações. Aos outros, que ouvem com a mesma avidez e se permitem ser seduzidos com a mesma satisfação, mas não são muçulmanos.


A dissonância cognitiva, sempre a experiência aflitiva e dolorosa de uma situação intrinsecamente irracional que não permite solução racional, nesse caso é dupla. A realidade nega os valores que aprenderam a respeitar e acalentar, ao mesmo tempo em que lhes recusa a oportunidade de abraçar os valores que são insistentemente exortados a adotar – ainda que as mensagens encorajando-os a abraçar esses valores sejam notoriamente confusas e perturbadoras, em resumo, os solitários acolhem o discursos que são belamente construído e estruturado em uma mensagem simples: (Integrem-se! Integrem-se! Pertenço a algo maior!)


Mas pobre de você desde que a CIA conseguiu promover um golpe para destituir o governo democraticamente eleito de Mossadeq, no Irã, meio século atrás, os países ocidentais, e particularmente os Estados Unidos, não conseguiram parar de interferir nos regimes islâmicos do Oriente Médio, usando como armas básicas, intermitentemente, propinas generosas, ameaças de sanção econômica ou intervenções militares diretas.


Assim, Bauman explica que pessoas inseguras tendem a procurar febrilmente por um alvo sobre o qual possam descarregar sua ansiedade concentrada, e a restaurar a autoconfiança perdida aplacando esse sentimento ofensivo, atemorizante e humilhante de impotência.


O detetive anônimo que se desculpou com Girma Belay, o indefeso refugiado e engenheiro naval etíope, depois que a polícia entrou brutalmente em seu apartamento em Londres, deixou-o nu, lhe bateu, o imobilizou contra a parede, prendeu-o e o manteve preso por seis dias sem acusação. Ainda assim, diante de toda a injustiça que sofreu em Londres, Belay resume as consequências dessa experiência categorial, ainda que sofrida individualmente: “Tenho medo; não quero ir embora.” Belay culpa por sua sorte aqueles “bastardos terroristas” que “agiram de tal maneira que toda doçura e liberdade foi destruída para pessoas como ele, mulçumano e de origem árabe”. Perceba o absurdo, pessoas violentadas sentem-se agradecidas pela ação de autoridades do governo, e culpam a agressão ao terrorismo.


O qual por sua vez, atingiu seu objetivo ao causar uma instabilidade tão forte em um país que se orgulha de seu sistema de governo e dos poderes de sua democracia considerados justos e imaculados. O terrorista conquistam uma vitória quando faz com que o medo, o terror, gerado coloca tudo isso abaixo, em ruínas, e a desconfiança e as violações de privacidades tornam-se legitimadas em nome de um bem maior: o combate ao terrorismo.


“Embora o secretário do Interior, Charles Clarke, não possa, pela atual legislação, impedir o Sr. Bakri de voltar, ele seria capaz de fazê-lo segundo os planos anunciados na última sexta-feira de excluir ou deportar aqueles que pregam o ódio ou justificam a violência.” Observe o que o discursos diante do medo é capaz de fazer, o autoritarismo ganha força e as pessoas começam a concordar com os maiores absurdos, assim como na “revolução dos bichos”, de Orwell, o porco Napoleão culpava o inimigo invisível Bola de Neve para justificar todo o totalitarismo que instituira na Granja dos Bichos.


Mas é a insegurança do presente e a incerteza do futuro que criam e alimentam o mais aterrador e menos suportável de nossos medos. Um sentimento de impotência: não parecemos mais estar no controle, seja sozinhos, em grupo ou coletivamente, dos assuntos de nossas comunidades, da mesma forma que não estamos mais conectados com ela.


É nossa “obsessão com segurança”, assim como nossa intolerância a qualquer brecha – ainda que mínima – no seu fornecimento, que se torna a fonte mais prolífica, auto-renovável. Bauman explica que nossa necessidade de adquirir todos os mecanismos e produtos para tornar o medo suportável, a sensação de que o carro blindado é fundamental nas grandes cidades, a necessidade de um relógio de vidro de titânio que suporta até 2 mil metros debaixo d’água, como se você precisasse olhar as horas a está profundidade ou fosse cair no mar, mesmo em plena cidade. Essa necessidade obsessiva por segurança, de se afastar de todo mundo, aquela sensação de que pode ter um psicopata ao lado, é uma das responsáveis por tirar de nós a melhor forma de segurança, ou seja, o espírito de comunidade. Pois dentro do espírito de conhecer seu semelhante, de serem próximos, é que se desenvolvem valores e vínculos que aumentam a proteção contra os perigos.


Essa obsessão que vende jornais e cliques, essa necessidade de saber as 10 característica de que seu vizinho pode ser um psicopata ou um terrorista, essa frustração das esperanças acrescenta ao dano da insegurança o insulto da impotência – e canaliza a ansiedade para um desejo de localizar e punir os culpados, assim como de ser indenizado/ compensado pelas esperanças traídas.


Na memorável distinção de Jean-Jacques Rousseau), a sociedade moderna foi construída sobre a areia movediça da contingência. Exortados, instados e pressionados diariamente a perseguirem seus próprios interesses e satisfações, e a só se preocuparem com os interesses e satisfações dos outros na medida em que afetem os seus, os indivíduos modernos acreditam que os outros à sua volta são guiados por motivos igualmente egoístas


O medo nos estimula a assumir uma ação defensiva, e isso confere proximidade, tangibilidade e credibilidade às ameaças, genuínas ou supostas, de que ele presumivelmente emana. Ou seja, estou tão envolvido em me proteger do outro e das coisas noticiadas na imprensa que o medo torna-se muito crível, verdadeiro e quase que bufando no meu cangote, pesando meus ombros, congregando com minha família à mesa.


A cada cinco palavras em nossa casa, uma é uma advertência sobre os perigos que rondam o mundo. O desemprego, não andar com celular, não andar com dinheiro, não abrir e-mails, não atender ao telefone, não acreditar no que o vizinho disse, não deixar de beber água. Há sempre uma advertência em nossos assuntos em casa ou com os amigos.


Bauman prossegue ao falar sobre a globalização, que de forma paradoxal, é precisamente sua dócil e cada vez maior submissão a outros poderes, tanto dentro quanto fora de seu território, mas sempre fora de seu controle, que torna quase inescapável não apenas a retenção, mas a expansão, extensiva e também intensiva, de sua função de policiamento e proteção da ordem. “Ao liberar ainda mais o mercado e permitir que suas fronteiras penetrem no setor público, o governo tem de arcar com as contas do fracasso do mercado, de externalidades que este se recusa a reconhecer, e agir como uma rede de proteção para os inevitáveis perdedores das forças do mercado.”


A desregulamentação das forças de mercado e a submissão do Estado à globalização “negativa” unilateral (ou seja, globalização dos negócios, do crime ou do terrorismo, mas não das instituições políticas e jurídicas capazes de controlá-los) precisam ser pagas, e diariamente, na moeda da ruptura e devastação social: da fragilidade sem precedentes dos vínculos humanos, transitoriedade das lealdades comunais e debilidade e revogabilidade de direitos fundamentais.


Cada vez mais estamos dispostos a aceitar cortes na previdência social em nome de um mercado competitivo, estamos felizes pelo aumento de prisões, porém nada preocupados com o efeito bola de neve da marginalização de indivíduos, dos baixos índices de educação pública em bairros carentes, da falta de estruturas nestes bairros, da situação de pobreza extrema que ainda assola parte dos países. Nós preferimos que uma gigante atacadista seja salva com subsídios governamentais para evitar a palavra tão temida “desemprego em massa” e nos enganamos com o canto da sereia de que essa medida aumentará nossa competitividade.


Para citar Lawson mais uma vez: “Como não há mais nada a que recorrer, é provável que as pessoas abandonem totalmente a noção de coletivismo… e recorram ao mercado como árbitro da provisão.” E os mercados, notoriamente, atuam em direção oposta às intenções do Estado social. O mercado prospera em condições de insegurança; ele aproveita os medos e o sentimento de desamparo dos seres humanos.


Oferecendo o aumento da flexibilidade como único remédio para um volume já intolerável de insegurança, as mensagens provenientes dos poder político apresentam perspectivas de ainda mais desafios e mais privatização dos problemas – e assim, em última instância, mais incerteza, e não menos. Deixam poucas esperanças de segurança existencial coletivamente garantida e, em vez disso, encorajam seus ouvintes a se concentrarem em sua segurança individual em um mundo cada vez mais incerto e imprevisível, e assim potencialmente perigoso.


Esse tipo de cuidado, do qual o “Estado social” é agora acusado, foi castigado por ser excessivo – ele provocava uma rebelião generalizada.


Bauman afirma que Margaret Thatcher foi celebrada por lançar e conduzir um ataque frontal ao “Estado babá” sob o lema: “Quero um médico de minha escolha no momento que escolher.” A escolha parecia realmente um alívio bem-vindo em relação à rotina, mas repleta de obstáculos e armadilhas de uma variedade desconhecida, pois ter a liberdade de escolher um médico e poder pagar por seus serviços, são duas coisas distantes e distintas, porém não menos alarmante e incômoda.


A liberdade sem segurança não é menos perturbadora e pavorosa do que a segurança sem liberdade. As duas condições são ameaçadoras e impregnadas do medo – as alternativas entre a cruz e a espada.


autoconfiança que a acompanha. O “progresso”, antes manifestação mais extrema do otimismo radical e promessa de felicidade permanente compartilhada de forma universal, está se transformando com rapidez em seu oposto, derivando em direção ao pólo distópico e fatalista de nossas previsões.


Estaremos destinados a tatear às cegas. Talvez ficar perto de lugares mais iluminados seja a escolha menos aterrorizante, mesmo que no final se revele inútil.


Reduzir o ritmo atordoante da mudança, muito menos predizer ou determinar sua duração, tendemos a nos concentrar nas coisas que podemos, ou acreditamos poder, ou estamos seguros de que podemos, influenciar.


Assim, focamos nos alvos paliativos ao tomarmos precauções minuciosas contra a inalação da fumaça do cigarro de outra pessoa, a ingestão de comidas gordurosas ou de bactérias “ruins” (enquanto ingerimos avidamente líquidos que prometem conter as “boas”), a exposição ao sol ou o sexo sem proteção, e assim buscamos a desintoxicação do interior de nossos corpos e lares, trancando-nos atrás de muros, cercando os acessos a nossas residências com câmaras de TV, contratando guardas armados, dirigindo veículos blindados ou tendo aulas de artes marciais.


David L. Altheide afirma: “é que essas atividades, embora busquemos sentir segurança, elas reafirmam e ajudam a produzir o senso de desordem que nossas ações precipitam” a combater, ou seja, na intenção de erguer fortes muros contra o medo, estamos reforçando o medo a todo momento e tornando-o cada vez mais altos em relação aos nossos muros erguidos.


Bauman destaca que grande quantidade de capital comercial pode ser – e tem sido – acumulada a partir da insegurança e do medo. “Os publicitários”, exploram deliberadamente os medos generalizados de uma catástrofe terrorista para aumentar as vendas dos SUVs 4x4, altamente lucrativos, os quais são apresentados nos anúncios como sendo imune à vida urbana do lado de fora, arriscada e imprevisível… Tais veículos parecem aliviar o medo. Nunca se desejou tanto um Hummer… nunca se quis tanto associar um carro a pedras caindo do céu, terra se partindo, estradas intransitáveis, afinal, a mensagem é clara, é preciso estar preparado para se movimentar pela cidade em chamas, a cidade em ruínas da agitação urbana.


No aspecto político, a “lei e ordem”, cada vez mais confinada à promessa de proteção pessoal, se tornou um grande ponto de venda, talvez o maior, tanto nos manifestos políticos quanto nas campanhas eleitorais


Ray Surette, afirmou que o mundo visto pela TV parece constituído de “cidadãos-ovelhas” protegidos de “criminosos-lobos” por “policiais-cães pastores”.), em um contínuo movimento

ganhando legitimidade e aprovação política ao fortalecer a máquina governamental para declarar guerra ao crime e, mais genericamente, aos “distúrbios da ordem pública” (uma categoria ampla e, nos ambientes líquido-modernos, sem fundo, capaz de acomodar toda a gama dos desconfortáveis “outros” – de sem-teto dormindo ao relento a alunos gazeteiros).


Bauman desse mais fundo nas entranhas do mundo moderno e fala sobre as “celebridade negativa”, genérica, modelos da era líquido-moderna. “Muito da celebridade moderna”, sugere Epstein, “parece resultar da promoção cuidadosa”. A celebridade baseia-se “na transmissão” de uma façanha, mas também “na invenção de alguma coisa que, se não for examinada muito de perto, pode passar por uma façanha”. E ele conclui: “Grande parte das atuais celebridades flutuam num ‘hype’ que é na verdade um combustível de publicista.


O novo individualismo, o desvanecimento dos vínculos humanos e o definhamento da solidariedade estão gravados em um dos lados da moeda que traz do outro a efígie da globalização. Em sua forma atual, puramente negativa, a globalização é um processo parasitário e predatório que se alimenta da energia extraída dos corpos dos Estados-nação e outros dispositivos de proteção de que seus súditos já usufruíram (e dos quais ocasionalmente foram vítimas) no passado.


A ausência de uma comunidade global politicamente organizada significa que os super-ricos podem operar sem nenhuma preocupação com quaisquer interesses outros que não sejam os seus. Estamos correndo o perigo de ficar com apenas dois grupos sociais genuinamente globais e internacionais: os super-ricos e os intelectuais, ou seja, as pessoas que participam de conferências internacionais dedicadas a avaliar os danos causados por seus colegas cosmopolitas super-ricos.


Na definição de Bauman, os “super-ricos”. São descritos geralmente pelo termo “neoliberais”. A mensagem e as práticas que tentam tornar globais são conhecidas pelo nome de “neoliberalismo” – palavras de Pierre Bourdieu. O neoliberalismo, para usar a expressão mordaz de John Dunn, é uma “aposta no mais forte” – “uma aposta nos ricos, em certa medida forçosa naqueles com a boa sorte de já serem ricos, mas acima de tudo nos que têm capacidade, coragem e sorte para assim se tornarem”.


“As pessoas são levadas a presumir que não há alternativa a algumas forças econômicas malignas que se encontram além do controle. A verdade é que a penúria e a ambição constituem escolhas políticas, e não um destino econômico; podemos ser nórdicos, e não norte-americanos, e podemos ser empregadores como John Lewis, e não como Gate Gourmet.”


É principalmente por isso que os governos dos Estados, lutando dia após dia para resistir às tormentas que ameaçam devastar seus programas e políticas, vão tropeçando de uma campanha de administração da crise e um conjunto de medidas de emergência para outro, sonhando nada mais que permanecer no poder depois da próxima eleição, e sob outros aspectos desprovidos de programas ou ambições de maior alcance – para não mencionar visões de uma solução radical dos problemas recorrentes da nação.


Bauman, ainda é categórico em destacar que embora o terrorismo global seja um perigo extremamente real e continuamente reproduzido na “terra de ninguém” da imensidão global, grande parte de sua ameaça oficialmente estimada, se não toda ela, “é uma fantasia que tem sido exagerada e distorcida pelos políticos. Trata-se de uma ilusão sombria que se espalhou sem questionamento pelos governos de todo o mundo, além dos serviços de segurança e da mídia internacional”.


“Numa época em que todas as grandes ideias perderam credibilidade, o medo de um inimigo fantasma é tudo que resta aos políticos para manterem seu poder.”


“Bauman menciona que embora 500 pessoas [até fevereiro de 2004] tenham sido presas com base nas novas leis contra terroristas, só duas foram condenadas” (e observemos: apesar de minúscula, essa proporção ainda é infinitamente maior que a dos condenados entre os prisioneiros de Guantánamo após vários anos de encarceramento sem acusação). As medidas tomadas pelo governo para enfrentar o terrorismo parecem ter sido calculadas para aprofundar ainda mais o sentimento de emergência e o complexo de “fortaleza sitiada”, ou seja, você provavelmente saberá das 500 prisões de terroristas, mas dificilmente saberá o fato de que destes, 498 eram inocentes das acusções.


A “guerra contra o terrorismo”, em vez de combater a proliferação mundial do comércio de armas leves, fez com que este aumentasse consideravelmente (e os autores de um relatório conjunto da Oxfam e da Anistia Internacional advertem que as armas leves são “as verdadeiras armas de destruição em massa”, já que matam meio milhão de pessoas a cada ano). Os lucros obtidos por produtores e comerciantes americanos de “objetos e dispositivos de autodefesa” a partir dos medos populares, são extremamente altos.


O Judiciário britânico tem concordado, com poucas (embora avidamente divulgadas) exceções, com a política governamental de que “não há alternativa à repressão” – e assim, como conclui Gearty, “somente os idealistas liberais” e outros simpatizantes igualmente iludidos “têm a expectativa de que a justiça conduza a sociedade” na defesa das liberdades.


Na verdade, hoje em dia é preciso se precaver em relação a novos atentados terroristas. Mas também precisamos olhar com suspeita os guardiões da ordem que podem nos tomar (equivocadamente) por um portador dessa ameaça…


Novas resoluções do Bundestag, a nova legislação serviu principalmente aos terroristas, aumentando sua visibilidade pública (e portanto, indiretamente, sua estatura social) a um nível muito superior àquele que eles poderiam alcançar por si próprios. Segundo as conclusões compartilhadas pelos pesquisadores, a violenta reação das forças da lei e da ordem incrementou enormemente a popularidade dos terroristas. Ou seja, nem toda a campanha intencionada pelos terroristas para se mostrar ao mundo foi tão efetiva quanto a publicidade gratuita que governos, políticos e imprensas sensacionalistas foram capazes de fazer.


Bauman finaliza seu discurso dizendo que nos Estados líquidos-moderno pode-se de fato observar uma evidente “inclinação totalitária”. É possível verificar nos regimes totalitários do século XX, os quais obtiveram e mantiveram a submissão e a obediência de seus súditos mediante o terror promovido pelo Estado, fortes indícios de extravagância e aparente falta de lógica na forma como os Estados totalitários praticavam a isenção da lei – sob outros aspectos uma prerrogativa universal.


Estado democrático moderno, comparativamente inicial, como uma agência voltada a reduzir o medo ou eliminá-lo de vez da vida de seus súditos-cidadãos. A incerteza não precisava ser manufaturada. Os meios de repressão e violência administrados pelo Estado podiam ser usados apenas em ocasiões extraordinárias, e na maior parte do tempo deixados a enferrujar.


A democracia moderna poderia ser escrita em termos do progresso feito para eliminar, ou constranger e domar, sucessivas causas de incerteza, ansiedade e medo. Enquanto que a democracia contemporânea parece ser feita para causar o efeito contrário, o Estado passa a reafirmar a individualidade e a afogar o coletivo, há um pesado discursos de que o bem-estar social é o culpado por todo o atraso e ineficiência das mazelas políticas do poder público.


Os ciclos de medo são renovados, desde da passagem do “aburguesamento do proletariado” – visto com preocupação e tristeza por nostálgicos intelectuais de esquerda nos anos do pós-guerra – à “proletarização da burguesia” nos Estados Unidos com a crise econômica.


Estes cidadãos tentando se safar com essa renda, será constantemente atormentada pelo medo do corte de salário e da redução de pessoal, assim como das consequências desastrosas de uma doença, ainda que breve.


A declaração de “guerra aos medos” de Roosevelt (os medos da falta de liberdade, da perseguição religiosa e da pobreza), foi obviamente substituída pela declaração de “guerra ao terrorismo” de George W. Bush, assim como por sua promessa de que esta ainda prosseguirá por muito tempo (alguns de seus colaboradores, ainda mais insensíveis, advertem que nunca vai terminar…).


“Se os proletários puderem ser distraídos de seu próprio desespero por pseudo-eventos criados pela mídia, incluindo uma guerra ocasional, breve e sangrenta, os super-ricos pouco terão a temer”.


A arma mais poderosa dos ricos é o globalismo. Uma vez ultrapassado certo limiar corporativo, o pagamento de impostos se torna voluntário, como podem testemunhar os contadores de Rupert Murdoch. Em confronto com qualquer ameaça física ou mesmo fiscal, é fácil levar o dinheiro, ou mudar-se, para outro lugar.


Os membros da elite global dos super-ricos não precisam se preocupar em aliviar os medos que assombram os nativos/locais do lugar em que pararam por alguns instantes, pois “manter felizes os proletários” não é mais uma condição de sua própria segurança.


Assim para estas grandes corporações, se o volume dos medos locais ficar grande demais para que possam sentir-se confortáveis, há tantas outras localidades para onde é possível mudar-se, deixando os nativos cozinhando e queimando sozinhos nos caldeirões do pânico e dos pesadelos…


Assim, na era do medo líquido, a incerteza não é um inimigo a ser combatido, mas um companheiro constante a ser compreendido. É a nossa capacidade de nos adaptar, de enfrentar a volatilidade com resiliência e de abraçar o desconhecido que nos permite prosperar em um mundo em constante mudança. O medo líquido pode nos desafiar, mas também pode nos inspirar a buscar a autenticidade em um mundo de superficialidades, a encontrar conexões significativas em um oceano de relacionamentos efêmeros e a forjar nossa própria segurança interior em um terreno instável. Portanto, lembre-se: em um mundo líquido, somos moldadores do nosso destino, capazes de nadar com graça nas águas do desconhecido. O verdadeiro poder está em nossa capacidade de enfrentar o medo com coragem e abraçar a incerteza como uma oportunidade para a autodescoberta e o crescimento. Que a nossa jornada na modernidade líquida seja marcada pelo desejo de entender, adaptar e prosperar, não importa quão líquido o mundo possa parecer.


Por isso, este canal existe, para que você tenha contato com alguns pensamentos que o ajude a ter ferramentas para compreender e se precaver de algumas armadilhas que vamos nos colocando ao não exercitar uma reflexão sobre diferentes pensamentos.


Obviamente, Bauman é um crítico do capitalismo, principalmente nos discursos globalizantes e na publicidade forte contra a seguridade social e afrouxamento das fronteiras dos Estados, não quer dizer que todas as ideias dele sejam a absoluta verdade, mas ajudam a compor nosso repertório de reflexão sobre diversos temas, e aqui em especial sobre o medo constante que parecemos sentir.


Este foi um resumo especial para você que segue o nosso canal, recomendo que leiam Medo Líquido, é um livro interessante e com ideias interessantes.



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