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Como Ser Feliz em Tempos de Desespero: Dicas de André Comte-Sponville

Atualizado: 16 de jun.

André Comte-Sponville, em sua palestra denominada  “A FELICIDADE, DESESPERADAMENTE”, faz uma reflexão profundo sobre este sentimento que parece tornar a vida algo que vale muito a pena.



A felicidade, quase por definição, interessa a todo o mundo (lembrem-se de Pascal: "Todos os homens procuram ser felizes; isso não tem exceção... É esse o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar...")



"Você não concorda que nós, homens, desejamos todos ser felizes? Que a busca da felicidade é a coisa mais bem distribuída do mundo?


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Epicuro, disse uma vez: "A filosofia é uma atividade que, por discursos e raciocínios, nos proporciona uma vida feliz."



Segundo André Comte-Sponville, o seu conceito é mais discreto, ele acredita que a filosofia tende a nos proporcionar uma vida feliz, por ser uma prática discursiva (ela procede "por discursos e raciocínios") que tem a vida por objeto, a razão por meio e a felicidade por fim. Trata-se de pensar melhor para viver melhor.


É por isso, que podemos concluir que a felicidade é a meta da filosofia.


E digo mais ainda, é algo natural reconheçamos a sabedoria pela felicidade, em todo caso por certo tipo de felicidade. Porque, se o sábio é feliz, não é de uma maneira qualquer nem a um preço qualquer. Se a sabedoria é uma felicidade, não é uma felicidade qualquer!


Não é, por exemplo, uma felicidade obtida à custa de drogas, ilusões ou diversões, uma pílula da felicidade. Uma pilulazinha azul, cor-de-rosa ou verde, que bastaria tomar todas as manhãs para se sentir permanentemente feliz. Isso não é a felicidade que queremos.



Porque a felicidade que queremos, a felicidade que os gregos chamavam de sabedoria, aquela que é a meta da filosofia, é uma felicidade que não se obtém por meio de drogas, mentiras, ilusões, diversão, no sentido pascaliano do termo; é uma felicidade que se obteria em certa relação com a verdade: uma verdadeira felicidade ou uma felicidade verdadeira.



Mas o que é a sabedoria? Para André e para filosofia de um modo geral, seria a felicidade na verdade, ou "a alegria que nasce da verdade". Esta é a expressão que Santo Agostinho.


Também é a mesma palavra beatitude que Spinoza retomará, bem mais tarde, para designar a felicidade do sábio.


A sabedoria - é uma felicidade verdadeira ou uma verdade feliz. Não precisamos ser sábios ao ponto de dedicar a vida a dar palestras ou reconhecer e citar grandes textos de filosofia, não se trata disso. Não precisa ser tão rigoroso consigo mesmo. Podemos ser mais ou menos sábios, do mesmo modo que podemos ser mais ou menos loucos. Digamos que a sabedoria aponta para uma direção: a do máximo de felicidade no máximo de lucidez.


Creio que se você ficou até aqui, compreendeu que a felicidade é a meta da filosofia. Para que serve filosofar? Serve para ser feliz, para ser mais feliz. Mas, se a felicidade é a meta da filosofia, não é sua norma.


A meta de uma atividade é aquilo a que ela tende; sua norma é aquilo a que ela se submete, a filosofia não se submete a felicidade, mas, pelo contrário, ela tende a buscar a felicidade através de uma compreensão de si mesmo, do domínio sobre seus vícios, desejos e ilusões. 


Assim adverte André, não é porque uma ideia me faz feliz que devo pensá-la - porque muitas ilusões confortáveis me tornariam mais facilmente feliz do que várias verdades desagradáveis que conheço. É por isso, que a norma da filosofia é a verdade, pelo menos a verdade possível (porque nunca a conhecemos por inteiro, nem absolutamente, nem com total certeza),



Trata-se de pensar não o que me torna feliz, mas o que me parece verdadeiro. A felicidade é a meta; a verdade é o caminho ou a norma. Isso significa que, se o filósofo puder optar entre uma verdade e uma felicidade ele só será filósofo, ou só será digno de sê-lo, se optar pela verdade. Mais vale uma verdadeira tristeza do que uma falsa alegria.


Do meu ponto de vista, só é verdadeiramente filósofo quem ama a felicidade, como todo o mundo, mas ama mais ainda a verdade - só é filósofo quem prefere uma verdadeira tristeza a uma falsa alegria.


Por que a sabedoria é tão necessária para a felicidade? e porque não somos felizes.


Em primeiro lugar a felicidade é a sabedoria de aproveitar a vida com leveza e boas práticas, por isso a sabedoria é necessária. Se não morrêssemos, mesmo sem ser felizes, teríamos tempo de aguardar, diríamos a nós mesmos que a felicidade acabaria chegando, nem que daqui a alguns séculos... Se fôssemos plenamente felizes, aqui e agora, poderíamos talvez aceitar morrer: esta vida, tal como é, em sua finitude, em sua brevidade, bastaria para nos satisfazer... Se fôssemos felizes sem ser imortais, ou imortais sem ser felizes, nossa situação seria aceitável. Mas ser ao mesmo tempo mortal e infeliz, ou se saber mortal sem se julgar feliz, é uma razão forte para tentar se safar, para filosofar de verdade, por isso a sabedoria é necessária, por isso é preciso filosofar. Porque somos muito mais infelizes, ou muito menos felizes, do que os outros imaginam; e porque não há grandes pessoas.



É meu ponto de partida: não somos felizes, ou não o somos suficientemente, ou demasiado raramente. Mas por quê?


Não somos felizes, às vezes, porque tudo vai mal. Os que sofrem a miséria, o desemprego, a exclusão, os que são afetados por uma doença grave ou têm um próximo morrendo..., penso que não se trata de que eles não sejam felizes, compreendo facilmente, e a maior urgência, para eles, sem dúvida não é filosofar.


A filosofia exige um pouco de tranquilidade e ausência de urgência, exige autocontrole e autoconhecimento, pois antes é preciso sobreviver e lutar, ajudar e tratar.


Mas, se não somos felizes, nem sempre é porque tudo vai mal. Também acontece, e com maior frequência, não sermos felizes quando tudo vai mais ou menos bem, pelo menos para nós.


Assim, não basta ter tudo para ser feliz... para sê-lo de fato. O que nos falta para ser feliz, quando temos tudo para ser e não somos? Talvez a resposta parece simplista, mas falta-nos a sabedoria.


Os estóicos (e os epicurismo) pretendiam que o sábio  fosse feliz em toda e qualquer circunstância, independentemente do que lhe possa acontecer. Sua casa acaba de pegar fogo? Para um estóico não tem importância: se você tem sabedoria, você é feliz! "Mas na minha casa estavam minha mulher, meus filhos... Morreram todos!" Na concepção fria do estoicismo (não que estoicismo pregue isso, mas na literalidade do pensamento) Isso não teria uma importância vital: se você tem sabedoria, você é feliz. Porque ao sábio idealizado dos estóicos a natureza traça seu papel e as coisas simplesmente acontecem, sem razão de ser, acontecem porque acontecem, e perder a família tragicamente é uma possibilidade real no mundo, logo o espírito do sábio já aceita como um acontecimento da natureza sem se deixar afundar no desespero. 



Confesso que me sinto incapaz dessa sabedoria.


Aliás, os próprios estóicos reconheciam ser possível que não existisse nenhum sábio. E no sentido em que empregavam a palavra, talvez jamais tivesse existido um sábio.


Essa sabedoria, absoluta, não passa de um ideal que nos ofusca, pelo mesmo tanto quanto nos ilumina.


Eu me contentaria perfeitamente com uma sabedoria menos ambiciosa ou menos assustadora, com uma sabedoria de segunda linha, que me permitisse ser feliz não quando tudo vai mal (não sou capaz disso e não o peço tanto assim), mas quando tudo vai mais ou menos bem,


O que nos falta para ser feliz, quando temos tudo para sê-lo e não somos? O que nos falta é a sabedoria, em outras palavras, saber viver, não no sentido profundo do termo, no sentido em que Montaigne dizia que "não há ciência tão árdua quanto a de saber viver bem e naturalmente esta vida, trata-se de aprender a viver; apenas isso é filosofar de verdade".


Filosofar serve para aprender a viver, se possível antes que seja tarde demais, antes que seja absolutamente tarde demais.


Por quê? Temos de partir do desejo. Não apenas porque "o desejo é a própria essência do homem", como escrevia Spinoza, mas também porque a felicidade é o desejável absoluto, como mostra Aristóteles, e enfim porque ser feliz é - pelo menos numa primeira aproximação - ter o que desejamos. Encontramos esta última ideia em Platão, em Epicuro, em Kant e, no fundo, em cada um de nós.


O que é o desejo?


o amor é desejo, e o desejo é falta. E Platão reforça: "O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor."


Em Sartre: "O homem é fundamentalmente desejo de ser" e "o desejo é falta". Na medida em que desejamos o que nos falta, é impossível sermos felizes. Por quê? Porque o desejo é falta, e porque a falta é um sofrimento. Como você pode querer ser feliz se lhe falta, precisamente, aquilo que você deseja? No fundo, o que é ser feliz?


Ser feliz é ter o que se deseja. Não necessariamente tudo o que se deseja, porque nesse caso é fácil compreender que nunca seremos felizes.


A felicidade, como diz Kant, seria um ideal não da razão mas da imaginação. Ser feliz não é ter tudo o que se deseja, mas pelo menos uma boa parte, talvez a maior parte, do que se deseja. 


Se um desejo é satisfeito, já não há falta, logo já não há desejo.



De modo que ora desejamos o que não temos, e sofremos com essa falta, ora temos o que, portanto, já não desejamos - e nos entediamos, como escreverá Schopenhauer, ou nos apressamos a desejar outra coisa. Giramos sempre no mesmo círculo sem poder sair...


O exemplo do desemprego. 


Todos compreendem que o desemprego é uma desgraça, e ninguém se espantaria se um desempregado lhe dissesse: "Como eu seria feliz se arranjasse trabalho!" O desemprego é uma infelicidade.


Mas onde já se viu o trabalho ser uma felicidade?


Mas se o desemprego dura muito, você pensa: "Como eu seria feliz se tivesse um trabalho!" Mas, quando você tem um trabalho, o trabalho não é uma felicidade: o trabalho é um trabalho.


Sponville disse em seu exemplo: Vejo um cego.


Fecho os olhos alguns segundos, caminho às cegas, parece-me atroz... Digo comigo mesmo: "Se esse cego recuperasse a visão, ele seria loucamente feliz, simplesmente por enxergar! E eu, que não sou cego", comentava cá com meus botões, "deveria eu ser loucamente feliz por enxergar!"


Não funcionou. Porque, tão certamente quanto ser cego é uma infelicidade, o fato de enxergar nunca bastou para fazer a felicidade de quem quer que seja.


Ora, ela não faz sua felicidade, já que ele é cego e a visão lhe falta; e não faz a nossa, porque enxergamos e, por conseguinte, a visão não nos falta.


Em todo caso, não há visão que baste à felicidade.



Quando desejo o que não tenho, é a falta, a frustração, o que Schopenhauer chama de sofrimento. E quando o desejo é satisfeito? Já não é sofrimento, uma vez que já não há falta. Não é felicidade, uma vez que já não há desejo. É o que Schopenhauer chama de tédio, que é a ausência da felicidade no lugar mesmo da sua presença esperada.


Assim podemos resumir tão tristemente o essencial: "A vida oscila pois, como um pêndulo, da direita para a esquerda, do sofrimento ao tédio." Sofrimento porque eu desejo o que não tenho e porque sofro com essa falta; tédio porque tenho o que, por conseguinte, já não desejo.


Pascal explica que jamais vivemos para o presente: vivemos um pouco para o passado, explica ele, e principalmente muito, muito, para o futuro.


"Assim, nunca vivemos, esperamos viver; e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos."


Mas o que fazer? Como escapar desse ciclo da frustração e do tédio, da esperança e da decepção? Há várias estratégias possíveis.


Em primeiro lugar, o esquecimento, a diversão, finjamos ser felizes, finjamos não nos entediar, finjamos não morrer... Não vou me deter nisso. É uma estratégia não-filosófica, pois filosofia, trata-se justamente de não fingir.


Segunda estratégia possível: o que Sponville chamou de fuga para a frente, de esperanças em esperanças. Como esses jogadores da loto, que todas as semanas se consolam de terem perdido com a esperança de que ganharão na semana seguinte...



A terceira estratégia prolonga a precedente, mas mudando de nível. Já não é uma fuga para a frente, de esperanças em esperanças, mas antes um salto, como diria Camus, numa esperança absoluta.


O prazer do passeio é estar onde desejamos estar, dar os passos que estamos dando, desejar dá-los, e não desejar estar alhures ou efetuar outros passos, os que daremos mais tarde ou ali adiante... O prazer da viagem, do mesmo modo e como dizia Baudelaire, é partir por partir. Triste viajante o que só espera a felicidade na chegada!


Não confundam o desejo com a esperança.


Ora, são duas coisas diferentes, ligadas, é claro, mas diferentes


Sei que vocês estão sentados, coisa a que ninguém os obriga. Portanto, se sentaram voluntariamente, porque desejam estar sentados. Portanto desejam o que não lhes falta. De modo que estamos aqui a refutar Platão em ato - já que ele diz que só desejamos o que nos falta e se você está sentado, parado assistindo este vídeo, a desejar ficar sentado, o que evidentemente não lhe falta.


Em outras palavras, que você ficou sentado porque deseja (senão já estaria de pé ou se levantando).


Portanto, deseja o que não lhe falta. E, se tenho tanto prazer assim em falar a você, é pela mesma razão: desejo o que faço, aqui e agora, faço o que desejo! Isso vale para qualquer ação. Ai do corredor que só deseja as passadas por vir, não as que ele dá, do militante que só deseja a vitória, não o combate! Mas, se assim fosse, por que e como ele correria? militaria? Todo ato necessita de uma causa próxima, eficiente e não final, e o desejo, como notava Aristóteles, é a única força motriz. É por isso que podemos ser felizes, é por isso que às vezes o somos: porque fazemos o que desejamos, porque desejamos o que fazemos!


De fato, o que é a esperança? É um desejo: não podemos esperar o que não desejamos. Toda esperança é um desejo; mas nem todo desejo é uma esperança. Uma esperança é um desejo referente ao que não temos, ou ao que não é, em outras palavras, um desejo a que falta seu objeto.  Essa é a ideia de desejo segundo Platão.


É por isso que esperamos: esperar é desejar sem ter. Também podemos esperar o passado ou o presente, contanto que o ignoremos. Só esperamos o que somos incapazes de fazer, o que não depende de nós. Quando podemos fazer, não cabe mais esperar, trata-se de querer.



Esperar é desejar sem poder. É um desejo que se refere ao que não temos (uma falta), que ignoramos se foi ou será satisfeito, enfim cuja satisfação não depende de nós: esperar é desejar sem gozar, sem saber, sem poder.


Na medida em que haja desejo (mas se estamos vivos há desejo), é desejar tendo, desejar aquilo de que temos - na arte, no passeio, na amizade, na gastronomia, no esporte, no trabalho, etc. É, portanto, o próprio prazer.


Desejar o que sabemos é  portanto o próprio conhecimento, pelo menos para quem o deseja, para aquele que ama a verdade, e tanto mais quanto ela não falta. O sábio, nesse sentido, é um 'conhecedor'.


O 'conhecedor' não é apenas aquele que conhece, mas também aquele que aprecia. O sábio é um conhecedor da vida: ele sabe conhecê-la e apreciá-la!.


O contrário de desejar sem poder é desejar o que podemos, logo o que fazemos. A única maneira de poder efetivamente é querer; e a única maneira verdadeira de querer é fazer.


Em outras palavras, e é a imensa lição estóica, sempre queremos o que fazemos, sempre fazemos o que queremos - nem sempre o que desejamos ou o que esperamos, longe disso, mas sempre o que queremos.


Mais uma vez, é a diferença entre a esperança (desejar o que não depende de nós) e a vontade (desejar o que depende de nós).


Sêneca, que escreve em substância a seu amigo Lucílio o seguinte: 'Quando você desaprender de esperar, eu o ensinarei a querer.'


"Não é a esperança que faz os heróis: é a coragem e a vontade.


Spinoza tem razão: 'Não há esperança sem temor, nem temor sem esperança.' Você espera passar no exame? Então é que você tem medo de ser reprovado. Você tem medo de ser reprovado? Então você espera passar.


Assim, a felicidade, que só existiria no presente (não mais a felicidade perdida, mas a felicidade em ato).


O desejo é a própria essência do homem; mas há três maneiras principais de desejar, três ocorrências principais do desejo: o amor, a vontade, a esperança.


A vontade, é um desejo que se refere ao que depende de nós.


O amor, é um desejo que se refere ao real.


Só gostamos do que é. O que sabemos é que a felicidade é desesperadora.


Freud escreve em algum lugar, retomando uma fórmula de Goethe acho, que não há nada mais difícil a suportar do que uma sucessão ininterrupta de três lindos dias... Talvez para todos os que só sabem viver de esperança: três lindos dias que se seguem é difícil porque não deixam mais grande coisa a esperar...



O estudo é demorado, difícil, o estudante se dizia anos a fio: 'Como serei feliz no dia em que tudo isso tiver acabado, quando eu passar no exame!'


Repente você é professor e lhe oferecem mais um ano na École Normale, para você aproveitar a vida ou começar uma tese... O que mais esperar ou o que de melhor esperar? Nada. É o momento mais fácil da vida, o mais feliz, ou que deveria sê-lo... Mas a realidade é bem diferente: é o momento em que o normalien fica deprimido e se pergunta se já não é tempo de filosofar de verdade...


O que sabemos é que a felicidade é desesperante; o que tento pensar é que o desespero pode ser alegre: que a felicidade seja desesperada e o desespero, feliz!


Porque o sábio, como diziam os estóicos, se você quer avançar, precisa saber aonde vai; digamos que a sabedoria é a meta que fixamos para nós, como uma idéia reguladora, para tentar avançar...) , o sábio, dizia eu, não tem mais nada a esperar/aguardar, nem a esperar/ter esperança. Por ser plenamente feliz, não lhe falta nada. E, porque não lhe falta nada, é plenamente feliz.


Para Spinoza, na Ética: 'Não há esperança sem temor, nem temor sem esperança.'


Se não há esperança sem temor nem temor sem esperança, deve-se concluir que o sábio, de acordo com Spinoza, não espera nada. A sabedoria é a serenidade, a ausência de temor...


Que caminho? O da desilusão, da lucidez, do conhecimento, o caminho que deve 'nos tornar menos dependentes da esperança e nos libertar do temor'. 


Que idéia? A de béatitude: a felicidade de quem não tem mais nada a esperar. Porque está perdido? Não, porque não tem mais nada a perder, porque está salvo, salvo aqui e agora. Nesta vida.


No inferno, é praticamente impossível não esperar. Ao contrário, é o bem-aventurado, em seu paraíso, que não pode esperar mais nada - pois tem tudo.


Santo Agostinho e São Tomás escreveram isso explicitamente: no Reino, já não haverá esperança, pois não haverá mais nada a esperar; já não haverá fé, pois conheceremos Deus; não haverá mais que a verdade e o amor.


Do ponto de vista do ateu (o inferno e o paraíso: a unidade dos dois!) já estamos: ele é aqui e agora.



Mahabharata, o livro imemorial da espiritualidade indiana encontra-se a frase: 'Só é feliz quem perdeu toda esperança; porque a esperança é a maior tortura, que há, e o desespero, a maior felicidade.'


Jules Renard, em seu Diário: 'Nada desejo do passado. Já não conto com o futuro. O presente me basta. Sou um homem feliz porque renunciei à felicidade.' Renunciar à felicidade? É a única maneira de viver: parando de esperar!


Como esperar é desejar sem saber, sem poder, sem gozar, o sábio não espera nada. Não que ele saiba tudo (ninguém sabe tudo), nem que possa tudo (ele não é Deus), nem mesmo que ele seja só prazer (o sábio, como qualquer um, pode ter uma dor de dente), mas porque ele cessou de desejar outra coisa além do que sabe, ou do que pode, ou do que goza. Ele não deseja mais que o real, de que faz parte, e esse desejo, sempre satisfeito - já que o real, por definição, nunca falta: o real nunca está ausente -, esse desejo pois, sempre satisfeito, é então uma alegria plena, que não carece de nada. É o que se chama felicidade. É também o que se chama amor.


Platão:  'Amor é desejo e o desejo é falta.'


Para Spinoza, o desejo não é falta, o desejo é potência: potência de existir, potência de agir, potência de gozar e de se regozijar.


Ser platônico é reduzir o apetite (a potência de gozar o que fazemos) à fome (à falta do que não temos).


Uma filosofia para tempos de penúria, se quiserem... Mas em tempo de penúria sem dúvida há coisa melhor a fazer do que filosofia.


O desejo, de acordo com Spinoza, seria antes essa força em nós que nos permite comer com apetite.


Não é a falta que lhe falta; é a potência de gozar o que não lhe falta. O amor é desejo, mas o desejo não é falta.


O desejo é potência: potência de gozar o gozo em potencial!


O amor é alegria.


O amor é uma alegria que a ideia da sua causa acompanha.



Fico contente com a ideia de que você existe.


Isso é uma declaração de amor.


Porque é uma declaração spinozista de amor, é uma declaração de amor que não lhe pede nada.


Quando alguém diz 'Eu te amo', isso significa 'Você me falta' e portanto 'Eu te quero' ('Te quiero', como dizem os espanhóis). Então é, sim, pedir alguma coisa, é até mesmo pedir tudo, já que é pedir alguém, já que é pedir a própria pessoa! 'Eu te amo: quero que você seja minha.' Ao passo que dizer 'Estou contente com a ideia de que você existe' não é pedir absolutamente nada: é manifestar uma alegria, em outras palavras um amor, que, é claro, pode ser acompanhado de um desejo de união ou de posse, mas que não poderia ser reduzido a ele.


O amor é uma alegria que a ideia da sua causa acompanha.


Você está apaixonado, você está em Platão, você só deseja o que não tem:


Ser spinozista, às vezes pelo menos, ou de viver um pouco em Spinoza, quero dizer, amar o que não lhe falta, regozijar-se com o que é.


Há uma coisa que a falta não explica, que o platonismo não explica: que existam casais felizes às vezes, que haja um amor que não seja de falta mas de alegria, que não seja de frustração, mas de prazer, que não seja de tédio mas de carinho, que não seja de ilusão mas de verdade, de intimidade, de confiança, de desejo, de sensualidade, de gratidão, de humor, de felicidade...

Eles se dizem: 'sou tão feliz por você existir, feliz por você me amar, feliz por compartilhar sua cama, sua felicidade, sua vida.' Todo casal feliz é uma recusa do platonismo. Para mim, é um motivo a mais para gostar dos casais, quando são felizes, e desconfiar do platonismo.


Trata-se de aprender a desejar o que depende de nós (isto é, aprender a querer e a agir), trata-se de aprender a desejar o que é (isto é, a amar), em vez de desejar sempre o que não é (esperar ou lamentar).


Não se trata de se impedir de esperar: trata-se de aprender a pensar, a querer e a amar! 'O sábio é sábio', escrevia Alain, 'não por menos loucura mas por mais sabedoria.' Não tentem amputar a sua parte de loucura, de esperança, portanto de angústia e de temor. Aprendam ao contrário a desenvolver sua parte de sabedoria, de potência, como diria Spinoza, em outras palavras, de conhecimento, ação e amor. Não se impeçam de esperar: aprendam a pensar, aprendam a querer um pouco mais e a amar um pouco melhor.


A sabedoria é apenas um ideal, e nenhum ideal existe. É apenas uma palavra, e nenhuma palavra contém o real. Se vocês saírem daqui dizendo-se 'Como eu seria feliz se fosse sábio!', é que terei fracassado.



Diziam os estóicos, deve saber aonde vai. Sim. Mas o importante é ir em frente. A sabedoria é apenas um horizonte, que nunca alcançaremos absolutamente, e que no entanto nos contém: temos nossos momentos de sabedoria, como temos nossos momentos de loucura. A felicidade não é um absoluto, é um processo, um movimento, um equilíbrio, só que instável (somos mais ou menos felizes), uma vitória, só que frágil, sempre a ser defendida, sempre a ser continuada ou recomeçada. Não sonhemos a sabedoria; paremos, ao contrário, de sonhar nossa vida!


Trata-se, na ordem teórica, de crer um pouco menos e de conhecer um pouco mais; na ordem prática, política ou ética, trata-se de esperar um pouco menos e de agir um pouco mais; enfim, na ordem afetiva ou espiritual, trata-se de esperar um pouco menos e amar um pouco mais.



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