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Capitães da Areia - Jorge Amado um livro atemporal



Capitães de Areia foi escrito por Jorge Amado e publicada em 1937, é uma daquelas obras que você somente vai descobrir fuçando uma biblioteca pública ou por indicação de vestibular, o que é uma pena, pois é um romance sensacional.



Apenas de ter sido escrito na década de 30, o livro apresenta tema atual e tem uma forma quase de documental sobre a miséria vividas pelos meninos de rua, perspectivas as questões psicológicas como sentimento de abandono e comportamentos substitutivos, drogas e violência.



O livro ganhou o nome do bando de garotos de rua que viviam na praia da capital baiana Salvador. Tal grupo era composto por cerca de quarenta menores de idade, os quais moravam em um velho armazém abandonado no cais do porto.


Os fatos narrados acontecem em diversos pontos da cidade, e sempre demonstra a forma que os garotos de rua ganham o mínimo para sobreviver em meio a uma cidade indiferente. O livro contrasta o mundo das crianças de rua com as áreas nobres do corredor da Vitória.


Pedro Bala lidera o grupo sendo apresentado como um garoto loiro que possui uma cicatriz no rosto conseguida numa luta pela liderança do grupo contra o caboclo Raimundo.


Pedro Bala é experto e corajoso, vê nele uma raiva pela situação que se encontra e o sentimento de abandono que é extravasado em sua forma de liderar o grupo. Ele mantém um caso com Dora, uma integrante do grupo. O que mostra a maturidade das crianças diante da misérias e os envolvimentos amorosos entre membros do grupo.


É possível ver a luta diária destas crianças, as doenças transmitidas entre eles, o cuidado que dedicam uns aos outros, a crueldade entre eles e da sociedade contra eles.


É impossível não ser provocado pela obra, cada personagem tem sua personalidade muito marcante e reage a situações de formas diferentes, como o Professor (João José), um menino que rouba livros para apresentar histórias aos meninos do bando, ele nutre um amor por Dora, possui talento para pintura e é quem ajudava planejar os roubos; João Grande e sua coragem; o amargurado Sem Pernas; o violento Pirulito, o qual adquire uma consciência religiosa inesperada; o charmoso Boa Vida, boêmio e talentoso no violão, retratado como um conquistador; Gato o conquistador que mantém um caso com Dalva, uma prostituta, a qual ele torna-se seu cafetão; capoeirista Querido de Deus.



O narrador da obra é em terceira pessoa, um narrador onisciente, sendo narrada em ordem cronológica, é uma crítica social em relação aos meninos de rua e as questões sociais e psicológicas causadas pelo abandono. Trás toda a crueldade em que estão sujeitas estas crianças, as malandragens para sobrevivência e a forma que criam comportamentos substitutivos e paralelos dentro do grupo.


Capitães da Areia é uma retratação brilhante das mazelas sociais brasileiras por Jorge Amado, o autor, nascido na região nordestina, sempre se referiu e escreveu com maestria sobre o espaço nordestino, embora, ao mesmo tempo, sua obra se apresente como um retrato nacional e internacional das mazelas sociais que violentam os mais vulneráveis.


"Capitães da Areia" é um exemplar brilhante dessa característica.


O romance conforme dissemos, narra a história de crianças órfãs, órfãs não apenas de mãe e pai, mas de casa, educação, afeto e cultura, sendo forçadas a se tornarem adultas precocemente. Como bem elucida Jorge Amado (1937): "Porque o que faz a criança é o ambiente de casa, pai, mãe, nenhuma responsabilidade" (p. 244).


O cenário é a cidade de Salvador, em uma época muito bem marcada, durante a antiga república brasileira. Jorge Amado nos situa em um período onde estava em ascensão a economia nordestina, durante os ciclos do açúcar e do cacau, responsáveis pela industrialização das capitais nordestinas, como Salvador, Aracaju e Recife.


O grupo, liderado por Pedro Bala, é formado por mais de 30 crianças, dentre eles: Professor, Sem-Pernas, Gato, Pirulito, João Grande, Volta Seca, e a única menina do grupo, a Dora. Cada um, com seu ponto de vista, sua subjetividade e suas demandas, vai compondo o enredo do romance.



A diversidade não está só nos apelidos, como também nas condições físicas e sexuais. Temos crianças negras, brancas, crianças estrangeiras, crianças com deficiência física. Tal fato confirma que todos podem ser vítimas desse fenômeno violento. Não há ninguém imune.


Crianças que vivem em situações de abandono na grande Salvador, na qual no livro é referenciada como "A Cidade da Bahia". Lidam diariamente com a violência, a fome, o medo, a ausência de carinho, o não acesso à cultura, à educação.


Mas, apesar das adversidades retratadas, elas possuem um bem maior e coletivo que é a liberdade. Liberdade não pelo simples fato de viverem nas ruas de Salvador, mas por fazerem da cidade sua casa, sua amiga, sua família... sua igual.


Diante da situação de miséria, os Capitães da Areia furtam para vencer a fome, para ter uma moradia e ter o que vestir. De um lado, são vistos como ladrões, do outro, vistos como sujeitos vulneráveis. E essa dicotomia de interpretações da realidade dos "Capitães da Areia" veste toda a obra de Jorge Amado.


"Quem cuida deles? Quem os ensina? Quem os ajuda? Que carinho eles têm?" (p.155).


"Capitães da Areia" é uma obra que marca uma época bem definida, mas que não se limita a um só período histórico. Pelo contrário, se faz presente até hoje. Não só em Salvador, na Bahia, mas no Brasil, na América, no Mundo.


A fome é um problema social criado pela sociedade. Fome não só de alimento, mas de segurança, lar, afeto e família. A responsabilidade? Também cabe à sociedade.


Após essa leitura, sinto como minha obrigação, bem como um favor a mim mesmo, conhecer as outras obras desse autor que deu voz a sua gente. Que escreveu sobre o Brasil de uma forma real, lírica e única. Que tocou na ferida sem medo e mostrou para gente.


Jorge Amado é um patrimônio cultural do nosso país. Suas obras transcendem o tempo e o espaço, ecoando em todas as esferas da sociedade, sendo um farol para reflexão e ação. "Capitães da Areia" não é apenas um livro, é um testemunho, um chamado para a consciência coletiva, uma convocação para a mudança.

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