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Aprenda a Pensar Claramente (Livro II) | Meditações de Marco Aurélio: Autodisciplina e Aceitação

Atualizado: 17 de nov. de 2023

Livro II,


No alvorecer da existência, é fundamental que nos voltemos para dentro de nós mesmos e reflitamos. Pensemos por um momento nas pessoas que cruzarão nosso caminho ao longo do dia: algumas podem se mostrar indiscretas, outras ingratas, insolentes, mentirosas, invejosas ou até mesmo antissociais. Mas, antes de julgá-las, recordemos que muitas vezes esses comportamentos são simples manifestações de ignorância, da falta de compreensão do que é certo e errado.





No Livro II Marco Aurélio trás conselhos valiosos para lidar com diferente tipos de pessoas, conselhos que nos ajuda a entender que parte de nossos ressentimentos são influenciado mais por nosso eu interior do que pelas pessoas externas, ou seja, o que nos fere não são em si o que os outros nos dizem ou faz, mas sim o que interpretamos desta situação, eis que quem não controla o que pensa ou recebe dos eventos externos, acaba se tornando escravo de coisas que não depende de seu controle.


Por exemplo, se você é uma pessoa honesta e sistemática, gosta do controle, deseja que todos pense ou aja da mesma forma que você, que lhe seja recíproco. Sinto muito, mas você entregou a sua paz e felicidade para outras pessoas, eis que sempre que encontrar alguém desonesto irá se sentir frustrado e desejoso em mudar o que não pode mudar. Se alguém atrevido invade seu espaço, sentirá um imenso desprezo, e seu humor decairá, pois absorveu o rancor de tal atrevimento.

Marco Aurélio inicia o livro II, trazendo esta reflexão para você. Antes de iniciarmos, peço que assista também a primeira parte desta rica série que estamos preparando sobre meditações, nela explicamos quem foi e em que contexto está inserido o estoicismo de Marco Aurélio, e trazemos o primeiro livro na íntegra, com um linguagem de fácil compreensão. Já aproveita, deixa seu like e inscreva-se no canal, isso fará com que você continue a receber conteúdos de valor para sua vida. Junte-se a nossa comunidade de valor.


Retomando… a primeira fala do imperador filósofo no livro dois é:


1. Ao despontar logo pela manhã, faça estas considerações prévias para si: encontrarei com um indiscreto, com um ingrato, com um insolente, com um mentiroso, com um invejoso, com um não-sociável ao longo do meu dia. Porém, tudo isso ocorre a estes tipos de pessoas por ignorância do bem e do mal. Mas eu, que observei que a natureza do bem é o belo, e que a do mal é o vergonhoso, e que a natureza do próprio pecador, que é meu parente, porque participa, não do mesmo sangue ou da mesma semente, mas das inteligência e de uma porção da divindade, não posso receber dano de nenhum deles, pois nenhum me cobrirá de vergonha; nem posso me aborrecer com meu parente nem odiá-lo. Pois, nascemos para colaborar, como os pés, as mãos, as pálpebras, os dentes, superiores e inferiores. Agir, pois, como adversários uns para com os outros é contrário à natureza. E é agir como adversário o fato de manifestar indignação e repulsa.


Perceba a maravilha deste pensamento, devemos entender que não controlamos as outras pessoas, que ao acordar estaremos sujeito a todo tipo de personalidade, porém devo estar consciente disso e buscar a compreender que o bem se reflete na beleza e o mal no vergonhoso, e que todos, inclusive os que erram, carregam consigo uma centelha da divindade e da inteligência da natureza, há um compromisso sagrado: não permitir que ninguém nos cause dano ou vergonha. Não nos deixaremos consumir pela raiva ou pelo ódio em relação aos nossos semelhantes, pois sabemos que estamos destinados a colaborar uns com os outros, como partes interdependentes de um corpo, como pés, mãos, pálpebras, dentes superiores e inferiores.


Assim, Marco Aurélio continua:


2. Isso é tudo o que sou: um pouco de carne, um breve fôlego vital e o guia interior. Deixe os livros! Não te distraias mais; não está permitido a ti. Mas que, na ideia de que já és um moribundo, despreza a carne: sangue e pó, ossos, fino tecido de nervos, de pequenas veias e artérias. Olha também em que consiste o fôlego vital: vento, e nem sempre o mesmo, pois em todo momento se expira e de novo se aspira. Em terceiro lugar, pois, te resta o guia interior. Reflete assim: és velho; não o consintas por mais tempo que seja escravo, nem que siga ainda arrastando-se como marionete por instintos egoístas, nem que maldigas o destino presente ou tenhas receio do futuro.


Ação hostil uns contra os outros é uma afronta à própria natureza, e demonstrar indignação e repulsa equivale a agir como inimigos. Nossa jornada exige que nos lembremos de que somos feitos de carne, respiramos um breve sopro de vida e contamos com um guia interior. Marco Aurélio pede que deixemos de lado as distrações, referindo-se aos livros efêmeros e esotéricos, os quais eram uma forma de distração e divagação em seu tempo, transpondo esta ideia para o mundo moderno, podemos trocar a palavra livros por mídias digitais como tablets e smartphones que fazem parte de nosso ser nos dias de hoje, quase que uma simbiose entre o homem e a máquina. Pois o tempo é efêmero, afirma o Imperador, e a carne é passageira, composta por sangue, pó, ossos e delicados fios de nervos, veias e artérias.


Devemos reservar um momento para contemplar o sopro da vida, como o vento em constante mutação, que a cada instante se expira e inspira novamente. E, por fim, olhemos para dentro, para o nosso guia interior, e reconheçamos que o envelhecimento nos exige abandonar a escravidão de impulsos egoístas, não amaldiçoar o presente, não temer o futuro, mas aceitá-lo resignadamente e com gratidão aos deuses.


(uma observação é que você ouvirá muito em Marco Aurélio a referência a divindade, deus, natureza, espírito-fogo, eis que conforme já explicamos o estoicismo era o que hoje definimos como religião, e a terceira fase estóica as ideias de Zenão e Crisipo se encaixam na cultura Romana, ganhando um aspecto mais religioso).


No item três o imperador afirma:


3. As obras dos deuses estão cheias de providência. As da Fortuna não estão separadas da natureza ou da trama e entrelaçamento das coisas governadas pela Providência. Disso flui tudo. Acrescenta-se o necessário e o conveniente para o conjunto do universo, do qual nós somos parte. Para qualquer parte da natureza, é bom aquilo que colabora com a natureza do conjunto e o que é capaz de preservá-la. E conservam o mundo tanto as transformações dos elementos simples como as dos compostos. Sejam suficientes para ti essas reflexões, se são princípios básicos. Afaste a sua sede de livros, para não morrer amargurado, mas verdadeiramente resignado e grato de coração aos deuses.


Ele enfatiza a ideia de que as obras dos deuses são cuidadosamente planejadas e cheias de providência, ou seja, têm um propósito, destino e um significado maior. Mesmo os eventos que parecem acontecer por acaso ou sorte estão interligados e fazem parte de um grande plano divino.


O texto sugere que tudo está interligado e contribui para o conjunto do universo, no qual cada parte desempenha um papel importante. O que é considerado bom é aquilo que colabora com a natureza do universo como um todo e contribui para sua preservação. Isso inclui as transformações dos elementos simples e compostos que ocorrem na natureza.


A mensagem principal deste trecho é que devemos refletir sobre esses princípios básicos e não buscar incessantemente conhecimento em livros, pois a sabedoria está em compreender que tudo está interconectado e em aceitar os eventos da vida com gratidão aos deuses. A ideia é que a busca desenfreada por conhecimento ou o excesso de informações que presenciamos no mundo moderno, pode levar à amargura, enquanto a resignação e a gratidão nos permitem encontrar paz e harmonia com o universo.

Marco Aurélio prossegue:


4. Lembra de quanto tempo faz que diferencias isso e quantas vezes recebeste avisos prévios dos deuses sem aproveitá-los. É preciso que a partir desse momento você perceba de que mundo você faz parte e de que governante do mundo procede como emanação, e compreenderás que a sua vida está circunscrita em um período de tempo limitado. Caso não aproveite essa oportunidade para serenar-te, ela passará, e você também passará, e já não haverá outra.


Ele nos faz questionar quantas vezes já passamos por situações similares, quantas vezes já tivemos a oportunidade de aprender com nossos erros e experiências passadas, mas muitas vezes não aproveitamos esses avisos prévios dos deuses. Por isso, é crucial que percebamos o mundo ao nosso redor e entendamos que somos parte de algo maior, governado por forças que estão além de nosso controle. Ele nos instiga a refletir sobre a efemeridade da vida e a brevidade do tempo que nos é concedido. Essa reflexão nos convida a agir com sabedoria, serenidade e gratidão no presente, pois, caso contrário, perderemos a oportunidade única que temos de viver plenamente.


5. Em todas as horas, preocupa-te resolutamente, como romano e homem, em fazer o que tens nas mãos com pontual e não fingida gravidade, com amor, liberdade e justiça, e procura tempo livre para libertar-te de todas as demais distrações. E conseguirás teu propósito se executar cada ação como se fosse a última da tua vida, desprovida de toda irreflexão, de toda aversão apaixonada que tenha te afastado do domínio da razão, de toda hipocrisia, egoísmo e despeito no que se refere ao destino. Estás vendo como são poucos os princípios que precisamos dominar para viver uma vida de curso favorável e de respeito aos deuses. Porque os deuses nada mais reclamarão a quem observa esses preceitos.


O Imperador afirma para nós que devemos nos comprometer, a cada momento, a agir com seriedade, amor, liberdade e justiça. Buscando tempo para nos libertar de distrações supérfluas, agindo como se cada ação fosse a última de nossa existência. Bem como devemos abandonar a irreflexão, a aversão cega e o ressentimento em relação ao destino. Para compreender que, ao dominar esses princípios, os deuses não exigirão mais de nós no sentido de a vida de um estóico é composta por eventos aleatórios, previamente ordenado, logo lutar contra isso é como tentar nadar contra a correnteza de um rio, você se cansa imensamente, e muita das vezes não conseguirá progredir, diferente daquele que aproveitando a corredeira, vai rápido, seguindo o percurso, sem se cansar.


6. Humilha-te, humilha-te, alma minha! E já não terás ocasião para honrar-te. Breve é a vida para cada um! Você, praticamente, a consumiste sem respeitar a alma que te pertence, e, entretanto, torna dependente a sua felicidade à alma de outros.


Perceba a ideia de que aquele que mantém um orgulho rigoroso sobre sua honra, que busca se defender e se explicar, trás para si muitas perturbações e intranquilidade. Marco Aurélio afirma o contrário, é preciso ter um desprendimento deste tipo de pensamento, buscar entender o evento como um todo, por exemplo, se alguém buzina insistentemente para você no trânsito, é porque esta pessoas tem um problema com ela mesma, ou teve um dia estressante, ao revidar você apenas permit que este zombeteiro controle seu humor. Por isso, Marco Aurélio diz, humilhemo-nos, minha alma, pois assim não haverá espaço para exaltação. A vida é efêmera para todos nós, e muitas vezes a consumimos sem considerar nossa própria essência, tornando nossa felicidade dependente das almas alheias, das atitudes mesquinhas dos outros.


O imperador afirma:


7. Você não deve permitir que os acidentes e eventos exteriores te arrastem; procure tempo livre para aprender algo bom e pare de girar como um peão. Adiante, deves precaver-te também de outros desvios. Porque deliram também, em meio a tantas ocupações, os que estão cansados de viver e não têm alvo ao qual dirigir todo impulso e, em resumo, sua imaginação.


Em outras palavras: não podemos permitir que os imprevistos e as circunstâncias externas controlem nossas vidas. É crucial que encontremos momentos para dedicar ao aprendizado e que evitemos ser levados pela correria frenética da existência. Além disso, devemos nos proteger contra outros desvios que podem nos afastar do caminho correto. É importante notar que aqueles que se encontram cansados da vida e sem um propósito claro também podem se perder em meio a inúmeras ocupações, deixando sua imaginação vagar sem direção definida, sem rumo e propósito, apenas deixando levar-se pelo ócio e prazeres momentâneos.


8. Não é fácil ver um homem desacreditado por não ter sondado o que se passa na alma de outros. Mas quem não segue com atenção os movimentos de sua própria alma, forçosamente é infeliz.


Para Marco Aurélio, não é fácil testemunhar a desgraça daqueles que não compreenderam as almas dos outros, mas aqueles que negligenciam os movimentos de sua própria alma estão fadados à infelicidade. Portanto, mantenhamos em mente a natureza do todo, nossa própria natureza e nossa relação com o universo, eis que entender a natureza do outro pode ser importante, mas não tão importante quanto cuidar da sua própria alma e propósito.


9. Marco Aurélio traz as seguintes indagações: qual é a essência do universo em sua totalidade e qual é a minha própria essência? Como minha natureza se relaciona com a natureza do todo e qual parte específica pertenço a esse grande conjunto? Além disso, nunca devemos permitir que ninguém nos impeça de agir de acordo com a nossa própria natureza, que é intrinsecamente ligada ao todo do qual fazemos parte.


No item 10, ela afirma:


10. A partir de uma perspectiva filosófica, afirma Teofrasto, em sua comparação das faltas, como poderia compará-las um homem segundo o sentido comum, que as faltas cometidas por lascívia de desejos sexuais são mais graves que as cometidas por ira. Porque o homem irado parece desviar-se da razão com certa dor e aperto no coração; enquanto que a pessoa que peca por concupiscência, derrotado pelo prazer, mostra-se mais fraco e lânguido em suas faltas. Com razão, pois, e de maneira digna de um filósofo, disse que o que peca com prazer merece maior reprovação que o que peca com dor da ira. Resumindo, o primeiro se parece mais a um homem que foi vítima de uma injustiça prévia e que se viu forçado a sentir ira por dor; o segundo, lançou-se à injustiça por si mesmo, movido a agir por concupiscência, por um desejo lascivo.




11. Na convicção de que pode sair da vida a qualquer momento, faça, fale e pense todas e cada uma das coisas em consonância com essa ideia. Pois distanciar-se dos homens, se existem deuses, em absoluto é temível, porque estes não poderiam atirar-te ao mar. Mas, se em verdade não existem, ou não lhes importam os assuntos humanos, para que viver em um mundo vazio de deuses ou vazio de providência? Mas sim, existem, e lhes importam as coisas humanas, e criaram todos os meios a seu alcance para que o homem não sucumba aos verdadeiros males. E se restar algum mal, também haveriam previsto, a fim de que contasse o homem com todos os meios para evitar cair nele. Mas o que não torna pior um homem, como isso poderia fazer pior a sua vida? Nem por ignorância nem conscientemente, mas por ser incapaz de prevenir ou corrigir esses defeitos, a natureza do conjunto o teria consentido. E, tampouco, por incapacidade ou inabilidade teria cometido um erro de tais dimensões como acontece aos bons e aos maus indistintamente, bens e males em partes iguais. Entretanto, morte e vida, glória e infâmia, dor e prazer, riqueza e penúria, tudo isso acontece indistintamente ao homem bom e ao mal, pois não é nem belo nem feio, porque, efetivamente, não são bons nem maus.

Neste trecho Marco Aurélio mostra-se familiarizado com as ideias dos atomistas que afirmavam que o universo era composto por átomo e vazio, e se existissem deuses, eles estariam mais preocupado com seus próprios problemas e não com a vida dos humanos, uma ideia difundida por Epicuro. Por isso, Marco Aurélio se questiona, sobre a existência ou não de deuses, e conclui que pouco importa quem esteja certo, pois ainda assim ele viveria conforme seus valores, pois não podemos culpar a ignorância ou a consciência pelos defeitos, pois eles são permitidos pela natureza. Tanto os bons quanto os maus enfrentam a vida e a morte, glória e a infâmia, a dor e o prazer, a riqueza e a pobreza. Nada é intrinsecamente bom ou mau, nós é quem valoramos a situação como tal.


12. Como em um instante tudo desaparece: no mundo, os próprios corpos, e no tempo, sua memória! Como tudo é sensível, especialmente o que nos atrai pelo prazer ou nos assusta pela dor ou o que nos faz gritar por orgulho! Como tudo é vil, desprezível, sujo, facilmente destrutível e cadavérico! Isso deve considerar a faculdade da inteligência! O que é isso, cujas opiniões e palavras procuram boa fama? Que é a morte? Porque se a vemos exclusivamente e se abstraem, pela divisão de seu conceito, os fantasmas que a recobrem, já não sugerirá outra coisa senão que é obra da natureza. E se alguém teme a ação da natureza, é uma infantilidade. Mas não somente a morte é uma ação de natureza, mas, também, uma ação útil da natureza.


Esta é uma reflexão importante de Marco Aurélio, pois tudo desaparece em um instante: corpos no mundo e memórias no tempo. O corpo é facilmente corrompido, a alma é como um redemoinho. A felicidade é imprevisível, a fama é fugaz. A única constante é a filosofia, que nos ensina a preservar nosso guia interior, experimentando prazeres e dores sem sermos reféns do acaso. Mantenhamos a autenticidade, evitemos a mentira e a hipocrisia, e aceitemos o que acontece como parte de um ciclo natural. A morte é um processo útil e invencível da natureza. Logo, não devemos manter preocupação nos assuntos relacionados a ela, eis que este é o fim de todo homem ou ser.


13. Nada mais infeliz que o homem que percorre em círculo todas as coisas e que pergunta sobre as “profundidades da terra” e que busca, mediante conjecturas, o que ocorre na alma do vizinho, mas sem perceber que é necessário, apenas, estar junto à única divindade que habita seu interior e ser seu sincero servo. E o culto que se deve a essa divindade consiste em preservá-la pura da paixão, da falta de reflexões e do desgosto contra o que procede dos deuses e dos homens. Porque o que procede dos deuses é respeitável por excelência, mas o que procede dos homens nos é querido por nosso parentesco e, às vezes, inclusive, de certa forma inspira compaixão, por sua ignorância acerca do bem e do mal, uma cegueira que nos impede de discernir entre o branco e o escuro.


Nada é mais infeliz do que perder-se em questões fúteis sobre como deveria ser ou coisas que não agregam na virtude estoica, eis que na opinião de Marco Aurélio, a natureza já preordenou tudo para seu destino, logo se ficar perdido em devaneios sobre mistérios do universo, não se empenhar em manter a alma livre de paixões, logo passará a buscar reflexões vazias e ressentimentos em relação ao que vem dos deuses e dos homens, logo estará tão perdido em suposições que não saberá diferenciar nem o claro do escuro.


O Imperador trás uma reflexão importante no item 14, observe:


14. Ainda que pudesses viver três mil anos e outras tantas vezes dez mil, ainda assim lembra-te de que ninguém perde outra vida além da que vive, nem vive outra além da que perde. Consequentemente, o mais longo e o mais curto confluem em um mesmo ponto. O presente, de fato, é igual para todos; o que se perde é também igual, e o que se separa é, evidentemente, um simples instante. Assim, nem o passado nem o futuro podem ser perdidos, porque, o que não se tem, como alguém nos poderia tirar? Tenha sempre presente, portanto, essas duas coisas: uma, que tudo, desde sempre, se apresenta de forma igual e descreve os mesmos círculos, e nada importa que se contemple a mesma coisa durante cem anos, duzentos ou um tempo indefinido; a outras, que o que viveu mais tempo e o que morrerá mais prematuramente, sofrem perda idêntica. Porque somente podemos ser privados do presente, posto que possuímos apenas o presente, e o que não se possui, não se pode perder.


Em seguida afirma:


15. “Tudo é opinião”. Evidente é isso o que diz o cínico Mônimo. Também, a utilidade do que ele diz é clara, se extrairmos o essencial. A alma humana enfrenta desafios quando se distancia da natureza e se deixa perturbar pelos acontecimentos, quando nutre aversão, quando cede aos prazeres e pesares sem controle, quando se rende à hipocrisia e à falta de autenticidade, quando se envolve em atividades sem propósito claro, tudo este sentimento é uma opinião nossa, eis que cada pessoas tem uma visão peculiar de cada evento, pois cada um de nós temos uma personalidade única.


16. A alma do homem confronta-se, principalmente, quando, no que dela depende, converte-se em um tumor e em algo parecido a uma excrescência do mundo. Porque incomodar-se com algum acontecimento é uma separação da natureza, em cuja parcela estão abrigadas as naturezas de cada um dos seres restantes. Em segundo lugar, confronta-se, também, quando sente aversão a qualquer pessoa ou comporta-se hostilmente com intenção de machucá-la, como é o caso das naturezas dos que se deixar levar pela cólera. Em terceiro lugar, confronta-se, quando sucumbe ao prazer e ao pesar. Em quarto lugar, quando é hipócrita e faz ou diz algo com ficção ou contra a verdade. Em quinto lugar, quando se desentende de uma atividade ou impulso que lhe é próprio, sem perseguir nenhum objetivo, mas que, à sorte ou inconscientemente, dedica-se a qualquer tarefa sendo que, inclusive as mais insignificantes atividades, deveriam ser realizadas considerando-se sua finalidade. E a finalidade dos seres racionais é obedecer à razão e a lei da cidade e constituição mais venerável.


Por fim, conclui Marco Aurélio em seu livro II:


17. O tempo da vida humana: um ponto. Sua substância: um fluxo. Sua sensação: trevas. A composição do conjunto do corpo: facilmente corruptível. Sua alma: um remoinho. Sua felicidade: algo difícil de conjecturar. Sua fama: indecifrável. Em poucas palavras: tudo o que pertence ao corpo, um rio; sonho e vapor, o que é próprio da alma; a vida, guerra e estância em terra estranha; a fama póstuma, esquecimento. O que pode, então, fazer-nos companhia? Única e exclusivamente a filosofia. E ela consiste em preservar o guia interior, isento de ultrajes e de danos, dono de prazeres e dores, sem fazer nada por acaso, sem valer-se da mentira nem da hipocrisia, à margem do que outro faça o deixe de fazer; mais ainda, aceitando o que acontece e o reconhecendo como precedente daquele lugar de onde ele mesmo viera. E, principalmente, aguardando a morte com pensamento favorável, com a convicção de que a morte não é outra coisa além da dissolução de elementos que compõem cada ser vivo. E se para os mesmos elementos não existe nada de temível no fato de que cada um se transforma continuamente em outro, por que temer a transformação e dissolução do todas as coisas? Pois isso está de acordo com a natureza, e nada pode ser mal se está em conformidade com a natureza. Isso foi escrito em Carnuntum.


Em resumo, a vida humana é breve, mas nossa experiência é como estar nas trevas, o corpo é facilmente corrompido, e a alma é efêmera como um redemoinho. Enfrentamos incertezas quanto à felicidade e à fama. No entanto, na visão do imperador a filosofia (ou a religião estóica) séria é a luz que ilumina nossa jornada, ensinando-nos a enfrentar a morte com serenidade e a abraçar a constante transformação da vida como parte intrínseca da natureza.

Estes ensinamentos, registrados em Carnuntum, são uma reflexão filosófica sobre a vida e a morte, oferecendo orientação para navegar pelas águas incertas da existência, compreender a impermanência de todas as coisas e encontrar a paz interior. Que possamos incorporar esses princípios em nossas vidas e seguir o caminho da filosofia com serenidade e gratidão aos deuses, segundo o próprio imperador.


Perceba que este livro traz conceitos interessantes sobre o estoicismo imperial, observe que há uma grande aproximação com o divino e cosmo, um apelo quase que religioso que marca muito esta etapa do estoicismo romano. Vemos um Marco Aurélio bastante devoto em relação às designações da natureza, do divino, um apelo pela aceitação das ordenações do destino, lições valiosas sobre a dicotomia do controle, bem como reflexões sobre nossa opinião sobre os eventos externos, cuidados com nossa alma em relação a estes eventos.


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