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A Crítica de Nietzsche à Verdade Absoluta em ‘Humano, Demasiado Humano’”

Os problemas filosóficos retomam hoje em quase todos os aspectos a mesma forma interrogativa de dois mil anos atrás: como pode algo surgir do seu contrário, por exemplo, o racional do irracional, o sensível do morto, a lógica do ilógico, a contemplação desinteressada do ávido querer, o altruísmo do egoísmo, a verdade dos erros? A filosofia metafísica se arranja até aqui para vencer esta dificuldade, na medida em que negava que uma coisa derivasse de outra e admitindo para as coisas de elevado valor uma origem milagrosa, imediatamente resultante do cerne e da essência da “coisa em si”. 


foto de nietzsche

Nietzsche vai questionar logo após este trecho o fato de que tudo que pensamos e conhecemos, nossas convicções e percepções do mundo vem de uma construção alinhada a ciências específicas que estabelecem as representações e sentimentos morais, religiosos e estéticos. Tudo que sentimos e temos como verdade deriva de séculos de construção gradual do pensamento, tudo que sentimos deriva de convicções culturais, de uma análise metafísica sobre a vida e o que prazer, beleza, felicidade, medo, ambição, honestidade e compaixão. 




É aqui que vem o desconforto em nós, quando Nietzsche afirma que:  “mas e se essa química levasse à conclusão que também neste domínio as cores mais magníficas são obtidas a partir de substâncias inferiores, até desprezadas, muita gente teria ainda prazer em seguir essas pesquisas?”


Termos gerais Nietzsche pergunta para você, e se tudo que você tem como verdade absoluta, que você acredita, suas convicções sobre a felicidade, sobre a vida, sobre a moral, religião, vida após a morte, tudo que você aprendeu desde criança ser o certo é incontestavelmente posto como verdade, e se tudo isso, na verdade, no fim das contas, partiu, se originou de um erro, se uma interpretação equivocada, se as estruturas do nosso pensamento estiverem viciadas, você ainda continuaria sentido devoção por estas ideias? Viveria da mesma maneira? Estaria em paz consigo mesmo? Se alguém te disse hoje que a vida após a morte não passa de uma representação falha da realidade, sendo que uma vez morto, restaria apenas inconsciência e escuridão, como você olharia para a sua vida, sabendo que não teria outra chance, de que cada minuto de sofrimento ficou no passado e que apenas te resta um pouco de tempo para fazer a vida valer a pena? 



Ele não diz o que exatamente é a verdade, nem fala para você deixar de lado a religião ou a moral que acredita, Nietzsche apenas provoca você a pensar, e se estivermos errado sobre toda essa complexa organização sociocultural, e o que podemos colocar no lugar e melhorar para sermos o que queremos de fato ser. 


Nietzsche afirma que o maior defeito dos filósofos é a falta de sentido histórico, eles olham para o homem atual e pensam, fazendo uma análise do mesmo chegar ao objetivo. Involuntariamente, os filósofos acreditam chegar a uma verdade absoluta e eterna. Alguns até tomam a mais recente configuração do homem com base na influência da religião ou de acontecimentos políticos, como a forma fixa, da qual acreditam precisar partir. Não querem aceitar que o homem evoluiu, que a faculdade de conhecer também evoluiu. 


Para os pensadores da época de Nietzsche, todo o conhecimento essencial da evolução humana remonta a noite destes 4 mil anos do homem histórico. A partir daí o filósofo vê os instintos do homem atual e supõe que estes instintos façam parte dos dados imutáveis da humanidade, e a partir daí podem fornecer uma chave para compreensão do mundo em geral. 


Segundo Nietzsche, toda teleologia está edificada sobre isso, de modo que se fala do homem dos últimos 4 mil anos como de um homem eterno, com o qual todas as aa coisas do mundo, tem desde do início, uma relação natural. 



Não há realidades eternas, nem verdades absolutas, desta forma, a filosofia histórica se apresenta como uma necessidade do homem de uma explicação para a realidade. 


Sobre o título do apreço pelas verdades pouco vistosas, Nietzsche aponta duas críticas muito pertinentes ao mundo contemporâneo, e muito atual, a primeira, o problema de interpretar o passado com a visão buscando aplicar nossos próprios sentimentos do mundo atual. 


Enquanto a segunda é o fato de que o homem em geral se apóia mais na forma performática, no esoterismo da ideia, na autoridade de quem fala, nas convicções de quem consegue construir esta autoridade do que na pesquisa crucial que deve ser feita sobre o rigor do método empregado na investigação, das motivações, da metodologia para se chegar a essa conclusão. 


Em resumo, o autor alerta de que é uma indicação de cultura superior, o homem que toma o cuidado quanto aos métodos rigorosos empregado na verdade, ainda que sejam pequenas verdades, pois quanto mais difícil e impetuosas as investigações, os métodos empregados, maiores as chances de se obter uma verdade mais coerente. Em contrário, as investigações sem rigor, produzem verdades mais amplas, suscetíveis a erros, ofuscam o pensamento, levam os homens a uma devoção sobre falsos fundamentos. 


Eu vi algo interessante esses dias em um site de notícias famoso, “Avião faz pouso forçado, após passageiro registrar asa quebrada, salvando os passageiros”.



Vi as fotos, parecia uma material frágil demais para estar nas asas de um avião e fui pesquisar sobre o assunto. Descobri que as asas de um avião são feitas de um material extremamente resistente, praticamente impossível de se partir em condições normais durante o voo. Sendo que na verdade o material que supostamente estava quebrado, era apenas um item decorativo das asas, não tem capacidade de atrapalhar o voo da aeronave. Sendo que todo o pânico gerado e o sensacionalismo do jornalista foi mais por falta de investigação apropriada do que pelo evento ocorrido em si. Ou seja, o jornalista se apoiou em suas próprias convicções para publicar a matéria, não se preocupou em ao menos consultar um especialista em aviação para uma segunda opinião. As pessoas que lêem a matéria foram mal informadas e replicam  essa verdade construída com desleixo, o medo e o pânico causa um frenesi que ofusca a verdade e são mais fáceis de aceitar do que a investigação rigorosa e aprofundada. 


Agora quero que imagine quantas verdades são construídas em nossa sociedade e replicadas por nós em nosso dia a dia. Imagine uma análise tendenciosa sobre a economia do país, a segurança, investimentos em educação, saúde e infraestrutura. Imagine quantas verdades são criadas e vendidas para você, sem que nem busque refletir sobre elas. Pense que quanto mais sensacionalista a verdade aponta, mais absoluta e confiável elas nos parecem. 



Quantas pessoas de temperamento razoáveis e preocupadas com os rumos da narrativa da verdade questionada tem investigado rigorosamente as intenções e buscado alertar sobre os seus efeitos e nós temos ignorado. 


Por isso, é preciso ter cuidado com o que entendemos, refletimos, absorvemos e professamos. Um homem superior, dá mais valor ao método empregado do que ao esoterismo do discurso, ele investiga não apenas a fonte de pesquisa, mas a intenção e os seus próprios vícios de interpretação da realidade. 


Das verdades extravagantes, ou sem estrutura metodológica confiáveis, o homem dá espaço aos sentimentos religiosos, morais e estéticos, os quais apenas pertencem às superfícies das coisas. Enquanto acreditamos docemente nessas estruturas de pensamento, somos iludidos pela felicidade ou a profunda tristeza que este esoterismo nos proporciona. 


Há uma crítica profunda de Nietzsche a ideia de que o céu estrelado ou os astros interfiram no destino dos homens, por considerar que o homem tende a supor que aquilo que faz palpitar essencialmente seu coração deve também ser a essência e o coração das coisas. 


Em outras palavras, o sonho proporcionou ao homem primitivo uma rudimentar descoberta, em sua confusão sobre a realidade e os estímulos neurológicos durante o sono, o homem criou a metafísica, ou seja, passou acreditar ter descoberto um segundo mundo real, ou seja, sem o sonho, não se teria encontrado motivo para uma cisão do mundo. 


Aqui nasce a mais antiga e venerada ideia e interpretação sobre a realidade, a divisão do homem entre corpo e alma. Daí alimentamos nossa crença em espíritos, e provavelmente nossa crença em deuses. O próximo passo, temos a maximização da sensação extracorpórea através de misturas medicinais, alucinações, e a cultura de rituais envolvendo a mística do sonho. Deste ponto podemos juntar os sentimentos sobre o mistério da morte ao poder dos sonhos, é aquele momento de impressão em que o sonho traz a vida, o morto e conforta nosso coração. A partir daí o homem passa a lidar como verdade absoluta, a existência de um mundo terreno e outro mundo extra físico, mágico, poderoso, em que as nações de tempo e espaço vencem o maior medo do homem, o tempo. É daí as evoluções da ideia de imortalidade após a morte, de imortalidade da alma. 


Nietzsche também argumenta sobre o espírito da ciência ao questionar qual a utilidade com que investigamos as regras da natureza? Como descobrir como sequenciar o DNA humano pode contribuir para a felicidade do homem? Qual a utilidade de um smartphone? Estas questões são ponderadas pela filosofia, pois à filosofia cabe a investigação profunda sobre as descobertas da ciência, a qual tem como objetivo o conhecimento, resulte o que resultar. Uma vez que a filosofia se separou da ciência, quando o homem fez a pergunta sobre qual o conhecimento do mundo e da vida, o faz mais feliz? O problema é que a metafísica tem fundamento no intelecto humano apenas, são formadas através de raciocínio complexo através de uma organização do pensamento, é diferente da ciência que reflete uma explicação a partir do mundo físico. Sendo assim, a metafísica é um mundo de hipóteses valiosas, temíveis ou prazerosas, aquilo que as gerou é a paixão, erro ou engano de si próprio. E assim, somos ensinados a pesquisar e a crer nestas ideias. Pois segundo Nietzsche, mesmo que fosse muito bem provada a existência de semelhante mundo, ficaria ainda assim estabelecido que seu conhecimento é o mais indiferente de todos os conhecimentos: mais indiferente ainda que deveria ser para o navegador, na tempestade, o conhecimento da análise química da água. 


Compreende agora, a importância de adotarmos um posicionamento mais crítico perante a vida? Nem sempre a verdade parte de uma estruturação pura, imaculada. Tudo que interpretamos está diante de nós não como exatamente é, mas como nós enxergamos, assimilamos e decidimos representar isso na forma da fala, escrita, do pensamento ou da arte. 


O filósofo nos leva a refletir sobre nossos próprios valores ou princípios, se estamos realmente no caminho certo ou se as fundamentações metafísicas, a bases deste mundo das ideias, espiritual, são originadas de algo verdadeiro ou que foi submetido a um método rigoroso de estudo, para o qual a conclusão não se trata de mera manipulação ou de figuras fazias do pensamento. 


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